É impressionante como um simples
passeio pode nos preencher com reflexões... Foi o que aconteceu na cidade de
Poços de Caldas, no museu onde três artistas apresentariam as lendas da cidade
baseadas no livro da museóloga Nilza Megale.
Assim
que eu e minha filha Isabela, de quatro anos, chegamos já vimos tudo preparado:
o local dos instrumentos, o pano de retalhos onde as crianças assistiriam, as
cadeiras ao fundo para os adultos.
Isabela, sem timidez nenhuma foi
sentar-se junto às outras crianças que estavam à frente. Eram crianças extremamente
bem vestidas que conversavam sobre seus “colégios”. Quando Isabela se aproximou,
com seus olhinhos um da cor azul e outro da cor preta, as crianças ignoraram
sua entrada no grupo, por não ignorarem a diferença da cor das pupilas. Uma
delas passou a conjecturar o motivo, falando às demais, com cara de desprezo,
que era porque a Isabela tinha machucado o olho e que não enxergava e várias outras
coisas que nem escutei. As demais olharam a Isabela de cima em baixo e voltaram
a olhar a menina que inventava histórias fabulosas.
Isabela simplesmente saiu de perto,
me pediu um papel e canetas, voltou a sentar no pano, um pouco mais longe das
meninas, e passou a desenhar suas princesas e seus castelos. Mostrava suas
produções entre um sorriso e outro.
Eu, enquanto mãe, observei como a
Isabela lidava com a situação. Sempre a elogiamos muito e lhe falamos que era
rara e bela e depois, em momento mais oportuno, expliquei que tem criança que
nunca viu olhos bonitos que nem os dela e perguntei se ela sabia que era linda
e ela disse “sou maravilhosa”.
Entendo
que por ter olhos diferentes chama a atenção. Contudo, foi a primeira vez que
vi um gesto de rejeição. Geralmente as pessoas ou crianças comentam, perguntam,
mas não excluem e pensei sobre o papel da educação pública.
Compreendo
os vários problemas da escola pública como professores mal remunerados, salas
superlotadas, dificuldades estruturais, falta de investimento. Entretanto, por
mais problemas que haja uma coisa é certa: a escola pública está mais preparada
a trabalhar democraticamente do que a escola privada.
Quem
aceita as crianças independentemente se podem pagar o ensino? Quem contrata
cuidadores para as crianças com necessidades especiais (no caso da realidade em
Poços de Caldas)? Quem não vem com uma apostila pronta pra ser executada e tem
a grande possibilidade de elaborar seu próprio currículo junto à comunidade? Quem
serve a merenda igual para todos os alunos? Quem tem a condição de agregar no
mesmo espaço crianças e adolescentes de diferentes religiões, etnias, culturas?
A
escola pública também tem um olho de cada cor. Inclui negros e brancos, evangélicos
e umbandistas, classe média e camada popular, crianças com ou sem deficiência.
Enquanto escola, que sabe de sua riqueza por não ser homogênea, a escola
pública só tem a ganhar em democracia, em tolerância, em respeito pela
diversidade, em busca de uma sociedade que não julga pela cor dos olhos. Mas,
pra isso, a escola pública e todos que usufruem dela, professores, gestores,
comunidade escolar, políticos, precisam aceitar esse diferencial riquíssimo que
a escola pública tem, de modo que os grupos atendidos não sejam mera matrícula
de pertencimento, mas uma inclusão de fato de suas vivências e culturas, pois
ao se marginalizar o conhecimento do aluno a escola pública abandonará seu
potencial democrático para se assemelhar a escola privada que homogeneíza o
currículo e ao fazer isso homogeneíza pessoas.
Ana Paula Ferreira
[1] O texto é de outubro de 2015 e foi apresentado em evento do Coletivo Educação na defesa da escola pública, que contou com a honrosa presença do professor Carlos Rodrigues Brandão. Foi publicado em 18/07/2023 no Jornal da Cidade.
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