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domingo, 20 de março de 2016

ESCOLA PÚBLICA: UM OLHO DE CADA COR


            É impressionante como um simples passeio pode nos preencher com reflexões... Foi o que aconteceu na cidade de Poços de Caldas, no museu onde três artistas apresentariam as lendas da cidade baseadas no livro da museóloga Nilza Megale.

Assim que eu e minha filha Isabela, de quatro anos, chegamos já vimos tudo preparado: o local dos instrumentos, o pano de retalhos onde as crianças assistiriam, as cadeiras ao fundo para os adultos.

            Isabela, sem timidez nenhuma foi sentar-se junto às outras crianças que estavam à frente. Eram crianças extremamente bem vestidas que conversavam sobre seus “colégios”. Quando Isabela se aproximou, com seus olhinhos um da cor azul e outro da cor preta, as crianças ignoraram sua entrada no grupo, por não ignorarem a diferença da cor das pupilas. Uma delas passou a conjecturar o motivo, falando às demais, com cara de desprezo, que era porque a Isabela tinha machucado o olho e que não enxergava e várias outras coisas que nem escutei. As demais olharam a Isabela de cima em baixo e voltaram a olhar a menina que inventava histórias fabulosas.

            Isabela simplesmente saiu de perto, me pediu um papel e canetas, voltou a sentar no pano, um pouco mais longe das meninas, e passou a desenhar suas princesas e seus castelos. Mostrava suas produções entre um sorriso e outro.

            Eu, enquanto mãe, observei como a Isabela lidava com a situação. Sempre a elogiamos muito e lhe falamos que era rara e bela e depois, em momento mais oportuno, expliquei que tem criança que nunca viu olhos bonitos que nem os dela e perguntei se ela sabia que era linda e ela disse “sou maravilhosa”.

Entendo que por ter olhos diferentes chama a atenção. Contudo, foi a primeira vez que vi um gesto de rejeição. Geralmente as pessoas ou crianças comentam, perguntam, mas não excluem e pensei sobre o papel da educação pública.

Compreendo os vários problemas da escola pública como professores mal remunerados, salas superlotadas, dificuldades estruturais, falta de investimento. Entretanto, por mais problemas que haja uma coisa é certa: a escola pública está mais preparada a trabalhar democraticamente do que a escola privada.

Quem aceita as crianças independentemente se podem pagar o ensino? Quem contrata cuidadores para as crianças com necessidades especiais (no caso da realidade em Poços de Caldas)? Quem não vem com uma apostila pronta pra ser executada e tem a grande possibilidade de elaborar seu próprio currículo junto à comunidade? Quem serve a merenda igual para todos os alunos? Quem tem a condição de agregar no mesmo espaço crianças e adolescentes de diferentes religiões, etnias, culturas?

A escola pública também tem um olho de cada cor. Inclui negros e brancos, evangélicos e umbandistas, classe média e camada popular, crianças com ou sem deficiência. Enquanto escola, que sabe de sua riqueza por não ser homogênea, a escola pública só tem a ganhar em democracia, em tolerância, em respeito pela diversidade, em busca de uma sociedade que não julga pela cor dos olhos. Mas, pra isso, a escola pública e todos que usufruem dela, professores, gestores, comunidade escolar, políticos, precisam aceitar esse diferencial riquíssimo que a escola pública tem, de modo que os grupos atendidos não sejam mera matrícula de pertencimento, mas uma inclusão de fato de suas vivências e culturas, pois ao se marginalizar o conhecimento do aluno a escola pública abandonará seu potencial democrático para se assemelhar a escola privada que homogeneíza o currículo e ao fazer isso homogeneíza pessoas.

 Ana Paula Ferreira



[1] O texto é de outubro de 2015 e foi apresentado em evento do Coletivo Educação na defesa da escola pública, que contou com a honrosa presença do professor Carlos Rodrigues Brandão. Foi publicado em 18/07/2023 no Jornal da Cidade. 


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