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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Árvore da igualdade e caixote da equidade

 É usual para defender uma educação inclusiva, a figura da macieira e três crianças de tamanhos diferentes tentando alcançar seus frutos. Uma delas a estatura já lhe é favorável; a outra, de tamanho mediano, precisa de um caixote para subir e a mais baixinha, só consegue pegar se tiver duas caixas embaixo dos pés. Cabe aqui a analogia com o espaço escolar, no qual o conhecimento seja de fato um direito democratizado e, para tanto, é basilar romper as cascas duras da naturalização da desigualdade e apostar nos nossos estudantes, em suas potencialidades e diversidades.

 Primeiro ponto é deixar claro que igualdade não é oposto de equidade e, em se tratando de tornar o fruto do saber acessível a todos e todas, tanto uma quanto a outra são importantes. Igualdade no direito de uma estrutura escolar com critérios básicos resguardados: merenda, biblioteca, limpeza, profissionais qualificados, materiais didáticos, internet rápida, quantidade reduzida de aluno por sala etc. Equidade no direito de possibilitar que pessoas que estão em alguma situação de desfavorecimento sejam percebidas em suas peculiaridades, como também sejam atendidas por políticas públicas ofertadas pela Rede de Apoio do município, do estado e do país. Assim sendo, por exemplo, a escola não acionará o Conselho Tutelar ou o CRAS para todos os estudantes, mas apenas para os casos específicos, visando que esse grupo vulnerável tenha protegido o direito à educação, a saúde, a moradia dentre outros direitos sociais previstos na Carta Magna brasileira.

 Segundo ponto a ser destacado é que existem agentes públicos, os quais são remunerados com dinheiro público, ou seja, aquele pago por toda a população em impostos, taxas e tributos, que são responsáveis por identificar os grupos vulnerabilizados e invisibilizados, por medir o “tamanho das caixas” e por colocar sob os pés destes a fim de que todos e todas consigam alcançar os frutos, inclusive os mais altos e melhores. Caso haja ausência de “caixas”, que isso seja pleiteado, para as chefias imediatas, conselhos municipais, canais de denúncia e/ou ouvidoria.

 Sendo assim, a equidade é um instrumento para uma sociedade com justiça social, na qual o Estado tem sua responsabilidade e o faz principalmente mediante o trabalho de agentes públicos visando proporcionar oportunidades para quem não teve inicialmente as mesmas condições. Isso dialoga com a frase de Marx quando diz “De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas necessidades”. Atualmente, existem inúmeras pessoas cujos direitos previstos na Constituição Federal de 1988 não estão sendo garantidos. Diversos são esses grupos: crianças e adolescentes, população negra, mulheres, população LGBTQIA+, moradores de rua, dentre tantos outros. Por isso, é justo que haja caixotes diferentes para que todos peguem a maçã, afinal, todos contribuem para a manutenção do Estado, como também, destes agentes públicos.

 Por outro lado, a igualdade não deve ser desconsiderada, pois como aceitar que algumas escolas tenham tantos recursos e outras tão poucos? Como achar que é justo que escolas privadas devam ensinar conhecimentos científicos e escolas públicas trabalhar apenas com conteúdo elementares?

 Continuando a metáfora entre árvore e conhecimento, por que junto ao tronco da macieira não se acrescentou uma escada? Afinal, muitas vezes, os melhores frutos estarão longe o bastante da mão humana. E daí vem a provocação: precisa-se de uma educação que não apenas promova equidade, como também igualdade, na distribuição de todos os frutos, em que tanto os de fácil acesso, quanto os mais distantes (abstratos na linguagem pedagógica) sejam compartilhados.

 Portanto, para haver essa condição da igualdade, o investimento na educação pública deve ser tomado como prioridade e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) que é um valor que deve ser ampliado para o desenvolvimento da educação. Prova de que os resultados educacionais do setor público melhoram quando há investimento são os Institutos Federais que atendem alunos de Ensino Médio e contam com uma estrutura de laboratórios e de profissionais que possibilitam que as maçãs que estão nos galhos mais distantes sejam acessadas.

 Embora se saiba que o espaço escolar também reproduz as exclusões da sociedade neoliberal sempre há uma utopia para fugirmos de um presente que parece perpétuo. Numa sociedade em que alguns plantam, mas outros comem; em que há toneladas de produção de alimento e em contrapartida, milhares de pessoas que passam fome; em que a grande maioria trabalha, enquanto uns poucos que lucram com as produções e riquezas; talvez seja difícil imaginar que igualdade e equidade possam existir. Mas, nós educadores, cidadãos ou agentes públicos, precisamos ao menos acreditar no nosso potencial de pequenos agricultores que usam caixotes da equidade e não abrem mão de sementes da árvore da igualdade, pois sabemos que muitas vingarão.

 

Ana Paula Ferreira, mestre em Educação e

Rebeca Frederico Fonseca, bacharel em Direito.

Texto publicado no Jornal da Cidade do dia 22 de setembro de 2022.