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terça-feira, 10 de setembro de 2019

7 de setembro: Grito do Ipiranga e dos Excluídos


Hoje, dia 7 de setembro de 2019, houve Grito dos Excluídos na cidade de Poços de Caldas no desfile que homenageia a independência do Brasil. Independência que adveio de 1822, sem participação popular, no qual uma elite tupiniquim orquestrou para que o Brasil deixasse de ser colônia de Portugal. Ironicamente, quem assumiu o trono da monarquia brasileira é justamente o filho do rei português que saqueou nossas reservas minerais, vegetais e nossa força de trabalho.
Comemora-se uma frágil independência política seguida por uma dependência financeira astronômica. Isso porque, para que a emancipação do Brasil enquanto nação fosse aceita negociou-se o pagamento de uma indenização a Portugal. Sem recursos financeiros para tamanho empreendimento, a Inglaterra paga a dívida e durante anos o Brasil se rende ao poderio britânico num endividamento brutal.
Quando D. Pedro assumiu, mantivemos nossa subordinação aos mandos de uma economia exterior e dentro do território nacional a falta de liberdade do povo era estampada com a existência da escravidão, com a ausência da liberdade de imprensa e numa política que apenas homens ricos poderiam votar.  
É nesse contexto que nos inserimos há 197 anos após o Grito do Ipiranga. Ocupamos o lugar de segundo país subdesenvolvido com maior dívida externa; a mulher, embora possa votar, ainda tem baixíssima representação no Congresso comparada a outros; os negros, não são mais escravizados, mas exercem trabalhos mais desqualificados, sendo que um a cada dois negros está no mercado informal; a mídia no seu discurso oficial diz-se “livre e sem censura”, mas obedece aos mandos dos donos do capital.
Portanto, se não há razão para comemorar uma independência que não se traduziu em soberania nacional nem em justiça social para o povo, há razões de sobra para um Grito dos Excluídos. Se há no dia 7 de setembro um discurso normativo dos que ocupam o poder, que usam de protocolos, policiamento e de regras para sua manutenção, há também o discurso marginal, dos oprimidos sociais e políticos, que se fazem ouvir pelo som ensurdecedor de suas latas e seus gritos de não satisfação.
Em Poços de Caldas, os excluídos conseguiram soltar sua voz sob a organização do grupo “Mulheres pela Democracia” com a participação de homens, mulheres, crianças e adultos, de todas as cores e bandeiras na defesa de um país que respeite o trabalhador, o estudante e o meio ambiente; um país que a cor da pele não seja motivo para genocídio, nem o gênero seja razão para violência; em defesa de um país que não seja refém das normativas do Tio Sam, nem que tenha como projeto de governo o desmonte de estatais que são tão caras para a soberania de um país. Gritamos contra os cortes na pasta da Educação; contra a destruição do programa Mais Médico, contra os incêndios na Amazônia, gritamos contra a justiça parcial que não prende nem Queiroz, nem Aécio, nem milicianos que mataram Marielle...
Mas o movimento social não foi respeitado em suas vozes. Houve tentativa de ser calado pelos capatazes do sistema capitalista, que sempre alegam “estar exercendo suas funções”. A manifestação foi barrada várias vezes e só foi autorizada a sair atrás dos cavalos.
O cavalo que fechava esse último bloco se apresentou com a bandeira do Brasil, disciplinado, seguindo os comandos de uma pátria que tem lema “ordem e progresso”. Ordem de seguir marchando sem pensar, sem ter a condição humana do discernimento, apenas cumprindo ordens de superiores, não se preocupando com a segurança de pessoas que estão atrás de si, não se preocupando com as demandas levantadas por elas e nem imaginando que as pautas envolvem também sua existência. Segue apenas o instinto próprio de animal: se houver barulho, vai dar coice, se alguém passar na frente, pode avançar para cima das pessoas com seu irracionalismo de seguir o que está no roteiro. Esse cavalo, sem condição de reflexão sobre sua condição de explorado, manterá a ordem e o progresso, na visão de apenas seguir adiante aquilo que foi traçado por outros, seguindo um script de enaltecimento de um país no qual quem tem vez são os bancários que enriquecerão mais ainda com o crescimento da previdência privada; os empresários, com a aprovação de leis que flexibilizaram a segurança no trabalho e os latifundiários que destroem a floresta amazônica com vistas a pastos e lucros a curto espaço de tempo.
Mas o cavalo sente-se bem em servir a pátria branca, masculina e rica. Mostra-se dócil e cativo para com seus senhores que lhe exploram e age truculento para com aqueles que lhe fazem lembrar da sua condição social. Ao cavalo cabe seguir o Grito do Ipiranga. Enquanto isso acontece, o Grito dos Excluídos é cantado mais alto “somos mulheres, a resistência, de um Brasil sem fascismo e sem horror, vamos à luta, pra derrotar o ódio e pregar o amor”.

Ana Paula Ferreira
Supervisora escolar e militante do
grupo “Mulheres pela Democracia”