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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Ano novo: educação nova?

          


            Quando se fala em “novo” se remete a algo que não aconteceu ainda, que está sendo gestado, algo inédito, surpreendente e em se tratando de educação, alguns podem imaginar uma educação focada no ensino de língua inglesa, no empreendedorismo na escola, no uso de tecnologias. Muitos acreditam, pautados em discursos de Banco Mundial ou de acionistas, que isso já traria uma inclusão dentro de um mundo capitalista, uma vez que a pessoa teria mais oportunidade de emprego ou montar seu próprio negócio e assim ter uma vida mais confortável.

Porém, se quem gera emprego não é a escola, é a economia, precisamos nos perguntar qual é o mercado no qual o Brasil se situa. Enquanto compramos produtos de preços mais elevados tais como medicamentos, inseticidas, automóveis e produtos manufaturados, somos um imenso celeiro mundial que vende laranja, soja, café, carne, cana-de-açúcar e minérios. O que isso significa? Que há mais possibilidade de empregos nas mineradoras, no campo ou em indústrias que processam os alimentos.

Infelizmente sabe-se que a realidade não é essa. Na ausência de uma Reforma Agrária, tem-se 73% da área agrícola ocupada apenas por 10% de grandes imóveis rurais (Castro e Moreira, 2021), cujas áreas muitas são improdutivas ou mecanizadas ao ponto de dispensar a maior parte da mão-de-obra, empurrando os antigos camponeses para os centros urbanos, que somam nas casas improvisadas, nos subempregos, na violência urbana, no número de pessoas desempregadas.

Então, os mais entusiastas por uma educação empreendedora podem considerar que se os estudantes tivessem orientação relacionada aos negócios, poderiam futuramente ser bem sucedidos nos seus empreendimentos. Isso não é realidade. Na escola em que trabalho, uma professora de Matemática desenvolveu um projeto com os alunos para que elaborassem o passo a passo de abertura e acompanhamento de uma pequena empresa, observando capital, entrada, saída, custos, etc. Uma aluna que na época fazia brigadeiros, participou do projeto e mais tarde, junto com as irmãs, montaram sua própria lanchonete. O que aconteceu? Com a alta do preço dos alimentos, se elas repassassem esse valor para os clientes, perdiam a venda, se não passassem, não conseguiam pagar o aluguel. Consequência: fecharam o estabelecimento. Não foi falta de vontade, não foi falta de trabalho, não foi ausência de entendimento de mercado, mas sim, porque esse formato de mercado é para poucos, e bem poucos.

Trata-se de uma realidade cruel encontrada no capitalismo financeiro, haja vista que não há fronteiras para o lucro e as imposições políticas, tarifárias, judiciais ou de fiscalizações são cada vez mais difíceis de ser concretizadas. Exemplifico. Em 2018, a rede Walmart, que é a maior empregadora de comércio no mundo, superava em mais de um milhão a empresa Amazon. Por outro lado, é a Amazon quem mais tem lucros no varejo e juntamente a outras empresas que atuam no ramo digital, são as que pagam menos impostos (Silvia Ribeiro, 2021).

Aliás, isenção de imposto é própria das grandes corporações. A Vale do Rio Doce, que foi privatizada na época FHC, tem isenção de uma média de 1 bilhão de reais por ano (Brasil de Fato, 2019). Daí temos o triste cenário: não há emprego no campo, tampouco há emprego na cidade e junto a isso, o Estado brasileiro, numa aliança política com o grande capital, arrecada menos impostos desse grupo e, portanto, não consegue injetar dinheiro em obras ou políticas públicas para geração de empregos ou de renda.

Portanto, não é a educação a propulsora direta por uma economia mais inclusiva. Entretanto, de uma forma geral, o discurso recorrente é que se houver disciplinas tais como “Projeto de Vida” ou conteúdos de Matemática financeira, ou se a gestão escolar souber usar seus recursos, os estudantes já teriam condições de vida digna no capitalismo. Então voltemos ao título. Seria possível uma educação nova se problemas velhos não forem superados?

Listo três pontos para pensarmos nesses gargalos. O primeiro seria uma defesa substancial da escola pública. Isso requer revogar a PEC 55/2016 que controla os gastos públicos, significa uma política ousada que ao invés de privilegiar a iniciativa privada, invista pesadamente na esfera pública, pois em relação ao disposto no Plano Nacional da Educação, menos de 1% das escolas se encaixam no padrão de qualidade ali previsto (Daniel Cara, 2019).

Segundo: uma educação que se faça contra a exclusão deve se posicionar frente aos problemas sociais, políticos e econômicos. Não há neutralidade, nem nunca houve. Aliás, o que houve historicamente é a ideologia burguesa que inculcou valores de meritocracia, de naturalização da desigualdade, da individualização da responsabilidade. Uma educação que se pretenda contra a exclusão, deve questionar esse sistema que não gera empregos e culpabiliza os sujeitos pela situação de fome ou de pobreza.

Daí entramos no terceiro ponto: a escola sozinha não conseguirá reverter anos de desigualdade perversa e o que mais precisamos não é de um Projeto de Vida, mas de um “Projeto de Sociedade”. Pretendemos que haja empregos, direitos trabalhistas, distribuição da riqueza, mais impostos sobre grandes fortunas ou projetamos uma sociedade que obedeça a lei da selva em que comprar osso ao invés de carne é tratado como se fosse algo natural? É urgente que a sociedade pense sobre isso, pois caso contrário, terminaremos mais um ano e os problemas continuarão os mesmos.

 

Ana Paula Ferreira

                                                                                                                 Pedagoga e Mestra em Educação