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domingo, 20 de março de 2016

Dia das Crianças: pra que essa data?

            Historicamente, antes de ser comemorado no restante do mundo, o Dia das Crianças foi criado no Brasil pelo deputado Galdino do Valle Filho em 1920 como uma homenagem às crianças. Essas “homenagens” não são incomuns aos grupos ditos “minorias” e por isso o Dia do Índio e da Consciência Negra, Dia da Mulher, Dia do Trabalhador. Evidencia que nosso calendário foi organizado para atender a visão hegemônica, com breves instantes de holofote para os grupos que na verdade correspondem a grande maioria, e daí um calendário que acaba privilegiando o adulto, o branco, o empresário.
            Isso é percebido quando se destina 5 a 6 dias por semana para o trabalho correspondente ao universo adulto e apenas 1 ou 2 dias para o brincar, característico do universo infantil. No quesito feriados nacionais, santos católicos, herança da nossa cultura portuguesa cristã são homenageados, enquanto entidades das religiões afro-brasileiras são execradas e a religiosidade indígena tampouco é conhecida pela maioria dos brasileiros. Há o Dia do Trabalhador para aquele cuja jornada semanal de trabalho chega por lei a 44hs semanais (superando a de 40hs nos Estados Unidos e a de 35hs na França), quantidade essa de horas destinada à empresa que não pensada pelo e para o trabalhador.
            Contudo, embora haja mais hipocrisia nessas datas do que homenagens reais não deixam de ser um momento importante para se refletir sobre políticas públicas, ações sociais e perspectivas para o grupo contemplado pela data.
            Se a data em si poderia ser um movimento de resistência frente a todo calendário opressor, ela esmorece quando é apropriada pelo setor industrial. Em relação ao Dia das Crianças, a data ganha visibilidade entre 1955 e 1960 quando a fábrica de brinquedos Estrela lançou fortíssimas propagandas com vistas ao aumento do consumo (e, consequentemente do lucro) na perspectiva de incitar o ato de presentear o público infantil.
            Por isso não é difícil associar à data as diversas propagandas da indústria de brinquedos e muito pouco se vê programas de TV que abrem espaço para um panorama da infância no Brasil. Noticiam festas realizadas em alguma cidade com recreações e doces, mas não se faz um debate nos bairros sobre os Direitos das Crianças, Declaração de 1959 (Unicef/ONU), e uma reflexão com os moradores do que falta para essa Declaração ser atendida em sua plenitude. As escolas organizam gincanas e brincadeiras (como se no resto do ano não fossem necessárias), mas não se abre canais de escuta de como efetivar os direitos e deveres das crianças na própria comunidade. 
            Fica subtendido que a data é para comprar o tablet que a filha tanto deseja, que é para levar o menino na Rua de lazer, que é para a criança apenas se divertir na escola, pois logo voltará o clima das aulas convencionais e sem brincadeiras.
            Assim a sociedade prossegue com pequenos regalos aos pequenos, mas não altera a condição da maioria... prossegue com meninos e meninas que não foram presenteados nos Dias das Crianças porque não possuem área e espaço público de lazer, não tiveram a vaga da creche consolidada, precisaram trabalhar desde cedo e abandonaram a escola, foram perseguidos por policiais ou mortos por "balas perdidas", porque morreram em alto mar, vítimas de políticas truculentas de imigração. Enfim... porque sofrem desde cedo as mazelas da desigualdade social.
            Que continue a data! Mas que possamos ressignificá-la e trazer o aspecto da luta, da denúncia, dos cuidados, da cobrança, das reivindicações, dos modos de se conceber a infância, a educação, a escola, de modo que a consolidação dos Direitos das Crianças seja o verdadeiro presente para as crianças.


Ana Paula Ferreira
out/ 2015

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