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sábado, 11 de fevereiro de 2017

A identidade docente: entre o apagamento e a conexão

Uma das informações para reconhecer uma pessoa é por sua profissão e outra marca é a própria impressão digital. Profissões existem várias e, aliás, se tem a opção de mudar de profissão, aposentar ou até mesmo parar de trabalhar. Já a digital é única e é tão preciosa que é um dos mecanismos usados hoje para o controle do voto no Brasil. Contudo, é interessante perceber que determinadas profissões subtraem o sujeito de si mesmo, que há alguns trabalhos que apagam a digital, a torna tão discreta que não é reconhecida. Isso acontece com o professor, quando o giz lhe apaga suas digitais reais e existenciais.
Esse apagamento ocorre quando o professor é tragado pelo sistema. Quando digo “tragado” quero dizer que já se consumiu a tal ponto que já não existe enquanto matéria inicial. Persiste onde está, mas já não há energia a ser gasta. Faz estritamente o necessário, dando conteúdos, preenchendo formulários, fazendo avaliações. Porém, ele não tem perspectivas para com o ensino, com a educação, com os alunos. Alunos são muitas vezes números, folhas são burocracias, conteúdos são obrigações de uma função. O professor não preenche sua vida profissional de sentidos mais amplos e transfere isso para sala de aula.
Quando o professor ao assumir uma sala de aula deixa de ser pessoa, de ser um sujeito de emoções e assume o papel de um burocrata do ensino, não compartilha a vida, não relaciona o estudo com a concretude, conta os minutos para o horário da saída. Quer passar a ideia de pessoa disciplinadora e se esvazia de si mesmo, busca o controle da sala, mas esquece de sua necessidade de conexão, de interagir, de diálogo.
Para um resgaste dessa identidade docente é imprescindível lembrar que a razão de ser professor é o aprendizado.  Aprendizado não é via de mão única: ensina-se e aprende-se, aprende-se para ensinar. Essa correspondência alivia a sobrecarga dos ombros do educador, pois nem sempre saberá de tudo, ainda mais numa sociedade onde é comum famílias terem TV por assinatura, crianças terem acesso à internet e inúmeras outras fontes de informação.
            O papel do professor será diferente, porém não menor. A justificativa de muitos não abrirem mão desse saber escolástico é que precisam cumprir a grade curricular. Grade! Até o nome é opressor! Na verdade precisamos é refletir para que serve a escola e juntamente a isso repensar para que serve o conteúdo.
Escola não necessariamente mudará o mundo. Na verdade, pode mudar ou ser conivente e para isso serve o conteúdo, pois como qualquer outra ferramenta, depende do uso. Posso usar o conteúdo apenas com fins imediatistas tal como ir bem numa prova ou pra fins mais existenciais de compreender cada ação e seus infinitos desdobramentos no mundo. A segunda opção é mais complexa, porém, envolve uma consciência muito mais responsável sobre ser e estar. E é essa uma das funções de ser professor na atualidade: ajudar o aluno a fazer a ponte entre o saber e o fazer, entre o pensar e o construir, entre o estar no mundo e se perceber pertencente à natureza.
Essa transformação parece pequena, mas é algo essencial para quem deseja democracia de relações horizontalizadas, de quem prima pelo conhecimento significativo, de quem trabalha pelo protagonismo a começar pelo próprio professor que não será mero cumpridor de tarefas, mas aquele que faz o diálogo entre o senso comum e o saber científico, entre o que está no livro e o que vibra na vida, de modo a não se esquecer que ele, professor, também é vida.

Ana Paula Ferreira
Jan/2017



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Ser professor na contemporaneidade

O que nos motiva a ser professor nos tempos atuais?
Tempos marcados por uma sociedade em que a informação é produzida em série e a internet vem a mostrar que o conhecimento não está fechado num gueto. Tempos em que as relações sociais estão cada vez mais líquidas e a tecnologia tem tomado o espaço do olho no olho; tempos em que a educação não é mais a porta de entrada no mercado de trabalho porque esse não incorpora todos. Nesses tempos é comum o sentimento de impotência ou uma total alienação do sujeito de si e do mundo, exemplificadas no culto ao prazer e afastamento a tudo que pede reflexão, observação e atenção.
            Diante desse cenário social não é um alento a carreira docente que segue sob um trabalho de leitura, crítica, conhecimento sobre esse contexto. Mas então volta a pergunta: por que escolher o magistério? Pensemos em situações mais próximas da carreira então.
Salário? Bem, sabemos que em muitas cidades ainda não se paga nem o piso salarial, que hoje está estipulado em R$ 2.135,00. Em Poços de Caldas o salário inicial é de R$ 984,00, ou seja, bem abaixo do piso, fazendo com que inclusive muitos abandonem a profissão.
Alguns podem argumentar que é um atrativo porque o professor não trabalha fins de semana. Ora, isso também é uma inverdade lembrando que os professores levam inúmeras provas para corrigir, cadernos, planos de aula para fazer o que muitas vezes compromete o fim de semana. Voltando no exemplo da prefeitura de Poços de Caldas, não se destina ao professor o 1/3 estipulado em lei que o professor deve ficar fora de sala de aula para planejamento e estudo.
Então, seria a motivação principal porque é um trabalho mais simples para exercer do que outras carreiras? Daí é cabal perguntarmos: Ensinar é simples? Gerenciar conflitos é simples? Conseguir fazer com que o outro supere suas próprias dificuldades é simples? Não! Não são tarefas simples o que o professor faz cotidianamente ainda mais numa sociedade que acha que a escola pode dar conta de tudo, mas não percebe que o espaço escolar é apenas uma versão reduzida dos problemas sociais.
A motivação estaria nas políticas públicas? Também não é daí que acharemos nossa justificativa haja vista que nacionalmente vê-se cortes área da educação ou mais assustador o que aconteceu em São Paulo com a corrupção da merenda. Percebemos, portanto, que as políticas públicas não estão a remar a favor da educação.
Seria então o status social? O reconhecimento da importância do professor dentro da sociedade que motivaria nossa entrada na carreira do magistério? Isso também é mentira, quando os pais tomam a palavra de forma agressiva ou toda a sociedade julga quando professor faz greve.  
Se não são os motivos acima listados que nos direcionam a estar na docência, é preciso que repensemos do que “Por que ser professor?”. Não quero dizer com isso que ignoremos a depredação da carreira. É necessário denúncia, luta e participação em grupos maiores que nos representem, pois se há políticas públicas pouco democráticas para educação: participação! Se há sucateamento da carreira docente: participação! Se há uma sociedade que nos aliena: participação! Porém, só tem como haver participação enquanto contraponto ao que ocorre se houver mudança de mentalidade e isso é prerrogativa da escola, e isso é função docente!
Além de razões sistêmicas há também os motivos subjetivos, além das questões contextuais há os sonhos e esperanças que guiaram um dia a escolha para o magistério. Lembrar dessas questões existenciais que nos conduziram a ser professor é possibilitar que reflitamos em que sentido já fomos esmagados pelo sistema e se há utopias para nos alimentar. Embora haja um quadro que nos oprima, há os sonhos que podem nos revigorar, há a vontade de fazer uso da palavra para que mais pessoas percebam suas próprias amarras e juntos construamos outro modelo de sociedade. Reviver as utopias é uma forma de termos de trazer a pulsação, o calor, a energia. Um bom início de ano letivo a todos que conscientemente escolheram ser professor e não se esqueceram de seus sonhos!

Ana Paula Ferreira
jan/2017