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sexta-feira, 24 de março de 2017

Os Saltimbancos e a Previdência Social

A peça teatral “Saltimbancos” de Chico Buarque está mais atual do que nunca. Não digo pelo fato da nova versão de filme que estreou em janeiro deste ano tendo Renato Aragão como protagonista. A atualidade reside na discussão do desmonte dos direitos trabalhistas que está ocorrendo nos últimos meses no Brasil e que o texto “Saltimbancos” metaforicamente trata tão bem diante de seus animais.
A história começa com um jumento que foge para não continuar sofrendo as opressões do campo, representando o trabalhador rural que abastece a zona urbana, mas nem é lembrado, “nem nome não tem”. Fazendo um paralelo com a atual conjuntura, o trabalhador rural não é somente esquecido pelos citadinos, como também pelos próprios representantes políticos quando se corre o risco que os mesmos votem a Reforma da Previdência na qual o camponês será duramente penalizado. Se antes tinham o direito de se aposentarem antes da idade mínima, tendo em vista que geralmente iniciam-se nas atividades da roça antes dos 14 anos, com a PEC 287 o capiau aposentará com a mesma idade que outros trabalhadores. Esquecem de suas marcas de sol, de suas mãos calejadas, de seu sono interrompido na madrugada e lhe exigem mais trabalho, mais contribuição, mais produção e menos retorno.
O mesmo acontece com a personagem da galinha que pode ser comparada aos operários fabris. Isso porque passado o período produtivo, não servem mais, são corpos descartáveis e que podem sentir mais rapidamente o pacote de mudanças trabalhistas tendo em vista a aprovação da Terceirização para todas as atividades. As mudanças permitem uma jornada acima de 8 horas diárias, precarização do trabalho e remunerações abaixo do valor que seria pago caso a contratação fosse diretamente com a empresa a qual se presta o serviço. Para garantir uma aposentadoria integral precisará contribuir por 49 anos ininterruptos, o que significa não parar a produção seja por motivo de desemprego, acidente de trabalho ou afins. Porém, com a idade avançada chega também o cansaço e não se produz tanto quanto antes e assim como a galinha da história que ao não botar mais ovos é ameaçada a virar canja, o trabalhador industriário é ameaçado a ser demitido antes da idade de 65 anos, ficando desempregado, com poucas chances de voltar ao mercado e sem aposentadoria.
A violência das medidas anti-trabalhadores refletirá pesadamente sobre a juventude que precisará contribuir desde cedo se quiser aumentar as chances de aposentar, porém num cenário de terceirizações em massa e com menor chance de entrada no mercado de trabalho haja vista que o trabalhador (se respeitado seu tempo para aposentar) demorará mais tempo para desocupar uma vaga. A juventude é ilustrada pela gata do livro “Saltimbancos”, aquela que ainda não está na idade produtiva e que faz da música sua forma de protesto.
            Entretanto no decorrer da história há o entendimento entre os personagens que a arte não é suficiente como forma de ataque e percebem que a libertação de seus opressores ocorrerá quando se unirem pois “um bico com dez unhas, quatro patas, trinta dentes e o valente dos valentes ainda vai te respeitar”. O tom esperançoso do livro em relação ao trabalho coletivo reforça a ideia de que para combater a aprovação da Reforma da Previdência não bastam paralisações pontuais e faz-se urgente uma greve geral. Somos agricultores, operários, professores, policiais ou jovens, somos por isso mesmo classe trabalhadora. Se apenas uma categoria mostra os dentes ou as unhas é pouco perante a força que os barões do poder possuem e por isso é imprescindível uma bandeira de luta de que “Todos juntos somos forte, somos flechas e somos arco, todos nós no mesmo barco, não há nada a temer”. Se juntos, Temer jamais!

Ana Paula Ferreira




sexta-feira, 10 de março de 2017

A (in) visibilidade feminina e a (re) existência

Somos a maioria da população e quanto a isso não dúvida. Pra sermos mais próximas da exatidão somos numericamente 6 milhões a mais do que os homens. Estamos nos lares, nas lavouras, nas fábricas, nos hospitais e nas escolas. Viramos destaque quando se trata de participação em comercial de cerveja ou nas propagandas de cosméticos. Somos referências de zeladoras do ambiente familiar e no imaginário social da “tia”, palavra que em grande medida deprecia a professora da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Alguns locais nos foram historicamente marcados e se constituem onde somos visíveis: no ambiente familiar, onde somos apenas corpo, em cargos e funções associados ao cuidar, em profissões que estão desvalorizadas.

Porém, somos poucas nos percentuais de gerência, de trabalhadoras assalariadas e nos cargos políticos que definem diretamente sobre nossas vidas. Na política institucional somos menos de 10% e quando ousamos fazer a política no chão da feira e das praças através da linguagem direta com o trabalhador, nossa visibilidade e barulho incomodam. Ao entender que para se alterar o quadro de um mentalidade patriarcal, que objetifica a mulher e a torna como corpo descartável é necessário também adentrar o palco institucional das escolas e por isso o evento do dia 8 de março realizado na Autarquia Municipal de Ensino com formação de professores em relação a temática.

A proposta “Educação de gênero no espaço escolar” foi significativa porque contou com uma programação riquíssima sobre gênero, pensada e materializada por militantes. Significativa pela composição da mesa ser exclusivamente por mulheres que ganhavam não o espaço da voz, mas da escuta. Significativa porque se criou mecanismos de responsabilizar o poder público em apoiar e trabalhar pelas demandas sociais.

Nesse evento mostramos a porta da saída da invisibilidade; atravessamos a história do movimento feminista pelas ruas e entramos na visibilidade institucional a começar pela Secretaria de Educação, ocupando uma universidade e depois ao se fazer uma formação para diversas professoras e professores, que retornarão ao espaço escolar, nos fazendo crer que seja alimentada a ideia de “Companheira me ajude, que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”.

Ana Paula Ferreira
Mestre em Educação e membro do
Coletivo Jaçanã Musa dos Santos



Fotos de Gustavo Rodrigues







Fotos de Greice Keli



Agradecimentos profundos e sinceros a todas e todos que inspiram à luta: Edna, Lucia Vera, Claudia, Lilian, Greice, Marília, Laís, Paula, Stephanie, Dani, Sabrina, Victória, Juliana, Eliza, Diego, Divino, Gustavo, Tiago.
Obrigada a todos da Secretaria que acolheram a ideia e deram contornos belíssimos: Cleiton, Karla, Mario, Flávia, Nancy e demais trabalhadores.
Meu afeto e carinho a Marcela Rufato e Daniela Rosa que marcaram minha alma com a manhã do dia 8 de março de 2017!!!