Embora
termos distintos, educação e política possuem muito em comum e compreendê-los
na nossa história é possibilitar que percebamos onde estamos e para onde
podemos caminhar, os desafios bem como as possibilidades de enfrentamento. Se
temos 5 séculos de Brasil, desde a chegada dos portugueses, temos quase 4
séculos de escravidão, que por si só já subtraiu a participação da população
negra das decisões políticas e dos bancos escolares. Mulher tampouco estudava e
só adquiriu o direito ao voto no início do século XX. Pessoas com deficiência
ficavam confinadas em casa e o Brasil só tiveram escolas especiais em meados do
século XIX, mesmo assim, para um número extremamente reduzido perante a
demanda. O pobre, até 1971, só tinha direito de estudar gratuitamente apenas os
4 primeiros anos e por isso era tão comum na geração dos nossos avós o
analfabetismo. Aliás, embora a Proclamação da República tenha sido em 1889,
apenas um século depois que todos no Brasil, inclusive os analfabetos, puderam
votar.
O
que tudo isso indica? Que tanto a política quanto a educação no Brasil foram
ferramentas utilizadas para a manutenção de uma desigualdade econômica abismal
e, portanto, historicamente segregadoras. Por que isso acontece? Porque de
acordo com Althusser, no nosso modelo econômico capitalista, o Estado existe
para manter a exploração e a propriedade privada e faz isso tanto pela via da
repressão quanto pela inculcação ideológica, a qual ocorre pela escola,
igrejas, mídia, ciência e política.
Ora,
se a intenção é a parca participação política para que menos cidadãos possam
reivindicar seus direitos políticos, sociais e civis, será de fácil entrada
discursos que depreciem a política ou caracterizem o Brasil como fundado no
patrimonialismo, diminuindo seu povo como desonestos, caracterizados pelo seu
“jeitinho brasileiro”. O sociólogo Jessé Souza enfatiza que o risco disso é que se esconde que as raízes de nossos
problemas sociais não estão assentadas na corrupção, mas sobretudo, na
desigualdade econômica atrelada ao histórico escravagista. Daí não se ouve na
grande mídia programas para tratar da
Auditoria da dívida pública, a precarização
do trabalho advinda com a Reforma Trabalhista, a injusta tributação de impostos que incide sobre os mais pobres, a dívida de empresas gigantescas com a Receita Federal, o entreguismo da Lava Jato enfraquecendo as empresas
nacionais, são alguns
dos pontos que não são colocados em pauta pelas matérias
jornalísticas e que, seriam essas e outras medidas a verdadeira corrupção, uma
vez que exploram tanto os recursos
naturais do Brasil, quanto força de trabalho de seu povo, perante
uma elite econômica nacional e internacional.
Mas,
de fato o que é política? O que é educação? Usando da filosofia grega que tanto
amparou a organização ocidental, vemos em Aristóteles que o ser humano é um ser
político, justamente porque ao conviver com outros, necessita negociar,
argumentar, convencer e pensar no bem coletivo sobrepondo o bem individual. É
claro que na história não faltam exemplos que não foi o que ocorreu.
Porém, se há dominação, há resistência e onde houve política feita apenas por
homens, brancos, ricos, em Câmaras ou palacetes também houve política feita
pelos marginalizados sociais nas ruas, sindicatos ou espaços públicos. De acordo com Marilena Chauí isso isso é
luta de classe, a qual não se dá apenas no confronto armado, mas na contraposição ao discurso dominante.
E
qual a política que sonhamos? Paulo Freire já dizia que a educação precisava
ser progressista, popular e diretiva. E eu deixo essas mesmas palavras para
política, principalmente pensando em políticas públicas. Progressista porque é
necessário ter uma compreensão cabal da história e de seu processo, de se
sentir pertencente a esse movimento de mudança a favor da coletividade, dos
oprimidos, dos menos afortunados, de contrapor esse sistema econômico
excludente. Popular porque se compreende que o povo é o motor de mudança, que
nós não lutamos pelo povo, em que uns pensam e outros devem agir; pelo
contrário, nós somos o povo, e, portanto, devemos lutar com o povo, unindo teoria
e prática, como parte do movimento de todos preocupados com uma sociedade mais
igualitária. Por fim, uma política e uma educação diretivas, no sentido de uma
educação que se compromete em resistir, em contrapor, em se repensar a favor de
um projeto de dignidade humana.
Em
tempos nos quais vemos o Brasil voltar para o mapa da fome, em que famílias
compram osso para as refeições, em que a violência nas periferias e nas aldeias
indígenas está cada vez mais cruel e a repressão policial maior, numa
necropolítica imensa, falar em ter um plano para país, um sonho de outro tipo
de mundo parece impossível. Porém, a direção é importante para isso, para
lembrarmos que não podemos ter apenas projeto de vida, é imprescindível um
projeto de sociedade, de país, de nação, é preciso lembrar que nós seres
humanos não estamos dia a dia apenas para sobreviver dentro de um presente que
se repete sem esperança, mas devemos nos agarrar na utopia de outro futuro, e
fazer disso nossa força de luta, de mudança, de inclusão social. E isso se dá
pela política pública, isso se dá pela educação, desde que ancoradas num ideal
humanizatório, progressista, popular e diretivo.
Ana
Paula Ferreira
Mestre
em Educação, supervisora escolar
Texto publicado no Jornal da Mantiqueira/ Poços de Caldas- MG, do dia 28/07/2022
Sugestões de leitura:Paulo Freire- Pedagogia da Esperança
Jessé Souza - A elite do atraso
Marilena Chauí - O que é ideologia
Althusser - Aparelhos ideológicos do Estado