É emblemático o “antes da Coca-Cola”
porque quando uma corporação ocupa um espaço, não ocorre apenas a entrada de
compra e venda desse produto. É a produção de um modo de agir, de ser e de
compreender o mundo. Nesse caso em específico, fica no imaginário a figura da
família sentada a mesa farta, entre risos brancos e conversas amigáveis bebendo
esse refrigerante. Ou de um papai Noel esbanjando saúde com seus cabelos
grisalhos tomando um gole ou outro da bebida.
Nas prateleiras de supermercado não
compramos família, nem amigos, nem felicidade. Por outro lado, o que a
propaganda faz é produzir esse combo: compre um refrigerante e ganhe amigos. Os
dentes que nos sorriem os personagens do comercial não são os mesmos dentes de
quem toma frequentemente essa bebida, nem tampouco a pele lisa e lustrosa do
bom velhinho é a mesma pele dos consumidores desse produto.
A distância entre a propaganda e a
realidade não é novidade. E, diga-se de passagem, é tão comum as pessoas
saberem o poder corrosivo desse produto que usam para desentupir pias. Porém,
os efeitos maléficos não se restringem a saúde humana de problemas com
diabetes, ansiedade ou diminuição da quantidade de vitaminas no corpo. Os
impactos também são ambientais e sociais.
De acordo com o documentário “The
Corporation” as corporações norte-americanas se fortaleceram em cima da 14ª
emenda que as consideraram como se fossem pessoas. Num paralelo de que tipo de
pessoas seriam, os documentaristas as comparam com o perfil psicopático, tendo
em vista que são incapazes de seguir regras ou de sentirem culpa, não se
preocupam com a segurança ou bem-estar alheio, usam da mentira para obter
lucros ou vantagens, manifestam desprezo pelo sentimento alheio.
Não é sem razão que houve denúncia
em 2018 de que as nascentes dos rios de Minas Gerais estavam secando com a
exploração da água pela empresa ou que ela se destaca na quantidade de lixo
plástico nos mares e oceanos. Nega um compromisso com o meio ambiente e usurpa
a qualidade de vida de gerações que dependem daquele meio para sua
sobrevivência. Não satisfeita ao faturamento sempre crescente, a companhia
evitou esforços para ajudar os pequenos empresários em período de pandemia.
Isso aconteceu com Maria, uma amiga dona de um pequeno bar de bairro. Devido as
quedas de consumo, a proprietária não conseguiu vender a quantidade de
refrigerantes disposta no contrato e a consequência foi a retirada do freezer
que era cedido para a dona do estabelecimento. Se já era difícil vender em
plena pandemia num bar, sem freezer isso ficou mais insustentável. Essa recusa
em perceber o outro não é caso isolado. Houve situação da distribuidora da
bebida ser condenada pelo Ministério Público por estender a jornada de trabalho
em 14 horas.
Podemos enquanto consumidores
comprar de empresas que sejam mais responsáveis com o meio ambiente e com a
sociedade, mas isso é apenas um início de pressão social. É necessário que
altas fortunas sejam taxadas de maneira a haver mais recursos para as políticas
públicas; que haja regulamentações sérias por parte do Estado e que a
fiscalização ambiental seja uma constante; que as propagandas de produtos
nocivos ao desenvolvimento infantil sejam evitadas em canais destinados às
crianças, evitando um consumismo inconsciente; e que leis trabalhistas forneçam
direito ao descanso, ao salário digno e a segurança.
Para isso, não é necessário resgatar
uma China que já passou e que também teve seus percalços. Os tempos e as
demandas são outras. Por outro lado, se precisamos das empresas, que haja um
controle dessas, de modo que possamos ter um ambiente sustentavelmente seguro e
uma sociedade com mais condições humanizatórias de desenvolvimento.
Ana Paula Ferreira
Supervisora escolar e
Mestre em Educação
A educação tem que ser crítica a partir da primeira infância.
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