Em 2006, quando li o livro “Professora sim, tia não!” ficou em mim que ensinamos pelo exemplo da greve, sobre democracia, direitos trabalhistas e tantas outras coisas. O que eu não sabia na época e só fui entender mais tarde é que não ensinamos apenas, pois a greve tem um enorme potencial pedagógico, e professores em greve também aprendem. E o que o ato de fazer greve nos ensina? Poderia enumerar diversas questões, mas vou sinalizar cinco: clareza de quem é o destinatário da greve, o protagonismo, o esperançar, o compromisso com o coletivo e a consciência de classe.
Quando
buscamos que nossos estudantes tenham um olhar crítico, para além do que está
no texto, de perceberem com clareza a origem das desigualdades e os
sensibilizamos para que saiam da condição de inércia para a de denúncia,
estamos possibilitando uma educação que fortaleça a participação cidadã, a vida
em coletividade, a preocupação com a defesa dos direitos humanos e de uma
sociedade mais justa e sustentável. Porém, o papel dos professores engajados
com a vida pública, está muito além em tacar a bola para as novas gerações
resolverem problemas dos mais velhos.
Daí
que ao escolher pela participação no movimento grevista o professor abre duas
vantagens para ter sua demanda atendida. Primeiro porque traz o incômodo da
greve, de fazer com que mais pessoas saibam e discutam o problema. Segundo porque
terá mais tempo disponível para se engajar nas ações grevistas, haja vista que
sem elas, corre-se o risco de o movimento grevista sucumbir e até mesmo não
adquirir o apoio da sociedade, tão necessário em tempos de perseguição à
funcionalismo público. As atividades são várias, sejam elas de confecção de
cartazes, panfletagem, textos para jornais, cartas à deputados, conversa com a
comunidade, visita às escolas que não aderiram, manifestações. Essa vida participativa
ensina que o ato de educar vai além da escola, isso porque os donos do poder
não estão sentados nos bancos escolares e devem ser esses os destinatários
reais da nossa indignação.
Toda
essa atuação orgânica no movimento nos abre outro aprendizado. Saímos da
condição de assujeitados e nos tornamos sujeitos da história, daqueles que
avaliam o contexto e analisam que é possível uma intervenção enquanto grupo,
categoria, classe social e não os que apenas vão cumprindo a rotina, extremamente
centrados no imediato. Outro ensinamento
é a sensação de esperança vinda pelas nossas mãos, e daí fugimos da condição do
fatalismo histórico, do “não adianta de nada”. Exemplos disso não faltam, pois
se hoje temos plano de carreira, concurso, obrigação de pagamento do piso
salarial (mesmo que não cumprido), se deve ao fato de inúmeros professores e
professoras terem deixado esse legado. Às vezes não conseguimos conquistas tal
qual nossa esperança desejava, mas podemos ao menos levantar um muro simbólico
contra o trator neoliberal que tudo quer devastar e assim, conseguimos barrar
algumas destruições.
Por
fim, a greve participativa nos convida a olhar as coisas para além do
individualismo, tão presente nesse mundo do consumo, em que o indivíduo é posto
acima do coletivo. Não significa que não devamos ter prioridades também com
nossa saúde, nossos familiares, nossa vida pessoal. É comum em determinadas
circunstâncias colocarmos o peso da balança maior na vida privada ou na vida
pública e aliás, e fazer esse movimento de reflexão é saudável. Ninguém pede que
o grevista tenha a mesma disciplina de militantes tal como foi o Marighella.
Mas, a participação mostra força, evita sobrecarregar os companheiros que estão
na ativa, permite que olhemos para o conjunto, para o contexto sócio-político, e
nos esforcemos em nos doar em alguma proporção para essa história.
Encerro
com a questão da consciência de classe lembrando da primorosa peça de teatro “Eles
não usam black tie”, que sob o pano de fundo da greve, mostra a relação
conflituosa entre os que aderem ou não ao movimento. No final da peça, de modo
bastante metafórico, a música de um sambista do morro é reconhecida no rádio,
porém, os moradores identificam que a letra recebe o nome de outro músico. A
produção mais valiosa de um artista foi roubada, nomeando outra pessoa no lugar.
Trazendo para nossa atualidade, podemos comparar com o que produzimos... nosso
trabalho acaba sendo roubado cada vez que desempenhamos zelosamente nossas
funções, mas quem ganha o crédito é o governo, o qual nos retira o reconhecimento
social e o reconhecimento financeiro. Somos saqueados anualmente, por um valor
que deveríamos receber e não recebemos (uma defasagem de mais 50%), e enquanto
isso, em contraposição, em 2019 o governo abriu mão de mais de 6 bilhões em
impostos para diversas empresas.
Portanto,
participar da greve, embora cansativo e extenuante, é um movimento que nos traz
compensações de quem vive, participa, interage, aprende. Vale a pena seguir na
luta.
Ana Paula Ferreira - Educadora e grevista
Texto publicado no Jornal da Cidade, 18 de março de 2022
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