Diante do ataque à escola em
Blumenau, em abril deste ano, foi publicado o texto “Precisamos falar sobre
Kevin” que refletia sobre o perfil de um personagem de um filme que premedita
violência contra os colegas e de como nossa sociedade abastece esses atos à
medida que crescem células nazifascistas e intensifica-se a ausência do Estado
nas políticas públicas. Em meio a isso, os meios de comunicação de massa
propagam o medo e o individualismo.
Seis meses depois, há um novo ataque
e, se antes parecia história norte-americana, no Brasil, infelizmente, também
tem se mostrado uma triste realidade. Dessa vez, a tragédia foi na cidade de
Poços de Caldas.
Kevin pode ser considerado como
estereótipo desse cenário, a qual muitas vezes queremos atribuir ao biológico
ou apenas à história do indivíduo e às contingências, pois daí, então, pouca ou
nenhuma ação nos competiria e seria mais confortável essa justificativa. Porém,
nossa subjetividade é marcada por relações que, humanas, fornecem repertórios
para conseguir operar e sobreviver no mundo. Nesse sentido, destaca-se aqui como
estabelecemos trocas sociais e de consumo.
Desde bebê, há a relação com o outro
e cada cultura faz isso à sua maneira. Em muitos grupos indígenas, o parto é
normal e isso diminui a dificuldade com aleitamento, a mãe amamenta por mais
tempo, já estabelecendo um vínculo com o filho, crianças crescem juntas
brincando e interagindo com a natureza sob o olhar de cuidado de todos da
tribo. Já em países como Estados Unidos, a licença maternidade não garante
pagamento à mãe e por isso é muito comum a preocupação com o retorno ao
trabalho e diante do excesso de carga horária trabalhada, pouco tempo sobra
para os cuidados dos filhos. No Brasil, a licença maternidade ainda é uma
conquista em construção. Notadamente, sabe-se da qualidade das políticas
públicas de um país através da forma como lida com as mulheres e as crianças.
Se a redução da jornada de trabalho
é uma pauta que não pode ser ignorada, por outro lado também precisamos
enquanto família pensar as relações no ambiente privado. Criar uma criança
demanda abraço, olho no olho, brincadeiras, ato de ser ninada, de se sentir
amada. E isso não é incumbência apenas da mãe e do pai, porque diante de uma
rede de apoio de tios, vizinhos, avós ou padrinhos, é possível que a criança
receba influências diferentes para seu desenvolvimento. Se é necessária uma
parceria com outras pessoas, a efetividade e colaboração entre as instituições
públicas também é imprescindível, na defesa dos direitos da criança e do
adolescente: Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, escola, Conselho
Tutelar, CRAS, CREAS, etc.
Em se tratando das relações comerciais,
aprecia-se o consumo que nos anuncia a chance de felicidade. E isso invade o
processo educativo-ensinativo nas relações de pais e filhos/filhas, de família.
Pais e educadores são instados constantemente a compensar a ausência de tempo
com os filhos, comprando mais brinquedos, deixando-os excessivamente no celular
e o que era para ser uma relação de afeto ou de estabelecer limites, se
transforma numa relação mercadológica, na qual objetos são mais valorizados do
que os momentos em família. Não raro, pais e educadores que já foram educados
nessa lógica – o desmonte do lugar da tradição já dista mais de cinquenta
anos...
É difícil para os adultos
dimensionarem o lugar do consumo na modelagem da subjetividade tardomoderna. Quais
tipos de filmes, músicas, comida, informações que digerimos? Contribuem para
uma cultura de violência ou de paz? Colaboram para a felicidade de outras
famílias ou para o sofrimento? E que tal felicidade é essa que tanto se vende,
tanto se busca e nunca se acha?
Não há como mensurar a dor de uma
família que perde seu filho de maneira tão violenta. É leva-lo para escola, mas
não ver voltar. É ver a camisa dobrada na gaveta do guarda-roupa, mas ao mesmo
tempo ter a imagem do uniforme ensanguentado. É olhar fotos e saber que não
haverá mais aniversários a comemorar, nem abraços, nem selfies fazendo careta.
É ir no quarto do filho e achar que o pesadelo vai acabar, mas se deparar com a
cama vazia e arrumada.
Imensa solidariedade a essas famílias
que vivem esse luto. Merecem acolhimento, carinho e o espaço da fala para que
consigam lidar com tanta tristeza. E, pensando em como podemos refletir para criar
chances de se evitar futuras dores desse tipo que precisamos enquanto
sociedade, lembrar que somos, todos e todas, responsáveis pelas futuras
gerações, também responsáveis, por uma formação civilizatória. Ou é isso ou é a
barbárie...
Ana Paula Ferreira
Supervisora escolar, Mestre em
Educação e militante no Coletivo Educação
Roberta Ecleide de Oliveira Gomes
Kelly, psicanalista, pós doutora em Filosofia da Educação, coordenadora do Nepe
- núcleo de estudos em psicanálise e educação
Excelente texto
ResponderExcluirGratidão! Ficamos felizes que tenha gostado!
ExcluirAna Paula minha querida , seus textos são sempre muito pertinentes às questões qie nos afligem. Esse texto , em especial, com o olhar da Dra Roberta nos traz grandes reflexões sobre esse mundo imediatista e metálico que nos rodeia. Metálico, seco e frio . Cabe a nós nos perguntarmos onde está a ternura ? Onde está o amor?
ResponderExcluirUm grande abraço.
Lolly
Lolly, você fez um comentário tão afetivo de se ler... e às vezes é isso... o mundo é metálico por tantos momentos.... mas metais também são ótimos condutores de calor.... rsrsr...É isso... vamos usar o que está frio e tentar aquecer e ainda usar para levar o calor em outros espaços.
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