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terça-feira, 16 de maio de 2023

Trabalho com educação étnica nas escolas

 Aqui fica um link de uma entrevista à TV Plan, de quando desenvolvi o Projeto "Menina Bonita do laço de fita" e que ganhou prêmio Educaminas em BH no ano de 2014.


https://youtu.be/u9XOfbuecTw

Contra a cultura do ódio

 


            Dia 5 de maio finalizamos um dos Projetos de Psicologia na escola Padrão. As estagiárias, extremamente sensíveis, além de perceberem as incivilidades entre os adolescentes, também observaram que o banheiro feminino era espaço para a detração e “muro da maledicência”.

            Cada uma que ia lá, via nas portas, divisórias ou perto do espelho as ofensas destinadas às mulheres, nomes de jovens que já passaram pela escola e que talvez até fossem conhecidas na comunidade. Um simples gesto de veneno misturado com errorex ia plantando raiz de desqualificar umas às outras pela aparência, pelo corpo, pela vida amorosa, mostrando que a obra “Mito da Beleza” de Naomi Wolf ainda era atual, no controle estético com vistas ao controle de gênero, tantas vezes incorporado pelas próprias mulheres sem que se dessem conta. 

            Isso serviu para uma ação articulada de 7 encontros, sendo um deles planejado com apoio dos docentes da escola. Em dia combinado, os rapazes se reuniram com o professor responsável da aula e conversavam sobre masculinidade tóxica. Enquanto isso, as adolescentes participaram com as estagiárias de uma roda de conversa sobre sororidade, machismo estrutural, cultura do linchamento moral.

            Através desse diálogo foi possível a consciência de que as violências verbais não eram coisas de espaços desorganizados ou bárbaros, mas podem ocorrer em todo lugar, a partir do momento que os sujeitos não estão refletindo sobre seus atos, com vistas à mudança de comportamento.

            Diante disso, as estagiárias propuseram que as estudantes escrevessem frases de empoderamento para serem coladas nos banheiros, por cima das ofensas. Não houve apagamento dos absurdos. Isso foi simbólico, porque da mesma forma que é difícil limpar o que estava registrado na pedra, também é moroso o processo de apagar grosserias que nos dizem. Entretanto, por cima colou-se cartões de todas as cores, com frases encorajadoras, para que quem lesse entendesse que havia alguém pensando num mundo com mais boniteza.

            A intervenção das estagiárias foi carregada de sutileza e de sentido. Porque em tempos de redes sociais denominadas “fofocas da escola”, em uma sociedade que consome em grande escala a cultura do ódio, os indivíduos normalizam o menosprezo, a ofensa, a calúnia. E o pior... como são inúmeras vozes, quase num coro, os ultrajados chegam em algum momento a acreditar nos insultadores, mesmo que sejam palavras sem coerência, sem fundamento para existir. Isso nada mais é do que a voz do opressor existindo no oprimido.

            Em relação a isso, há dois passos de enfrentamento que vejo por ora.

            O primeiro vai ao encontro do que o Papa Francisco escreveu numa carta encíclica sobre o que significa amar o opressor. Não é aceitar o que faz, mas sim, procurar mostrar o quão arbitrário está agindo e criar condições para que deixe de oprimir. Assim, quando se prefere expor diretamente aos insultadores as violências observadas há o cumprimento dessa responsabilidade de se tirar o poder do opressor, mesmo que naquele momento ele não tenha condições de refletir e de pedir desculpas.

            Entretanto, como identificar se realmente houve opressão, se por acaso não é algo que possamos estar confundindo com brincadeiras ou com temperamento mais impulsivo? A opressão se manifesta na diminuição do outro como ser humano, em montar narrativas que se utilizam de ofensas, que menosprezam, que falsificam, ou na escolha de posturas antidialógicas de se virar as costas num momento de conversa, de apontar o dedo, de impedir a democratização do acesso a bens ou espaços que estão consagrados para um pequeno número de pessoas.

             Compreendida a opressão e como combatê-la, o segundo passo, é saber que integridade exige não contar com a aprovação alheia, mas sim com a própria consciência. Não é fácil. É mais comum seguir a onda, imitar o que os outros fazem, rir das maledicências destinadas a terceiros, postar mensagens nas redes que exponham e humilham a fim de ganhar aplausos do grupo de convivência. Nessa perspectiva, lembrei de um trecho do livro “Persépolis” da escritora iraniana Marjane Satrapi. Trata-se de um HQ autobiográfico que a autora nos conta quando foi morar na Áustria e fingiu ser francesa, sendo alvo de deboches. Por fim, ela se impõe, assume quem é, chega na conclusão de que “Se eu não mantivesse a minha integridade, jamais poderia me integrar”.

            Se a adaptação é para ganhar credibilidade, para adquirir apreço, mesmo que isso venha às custas de xingar e deixar recados maldosos no banheiro, a pessoa se integrará, porém se afastará de um processo humanizatório, de desenvolvimento ético. Por fim, cabe reforçar que haverá quem fere a história que construímos, quem planta detração, mas haverá aqueles e aquelas que vão colocar por cima mensagem de gentileza, de sinceridade misturada com acolhimento. Assim, há grupos íntegros que podemos nos integrar sem que nos percamos de nós mesmos.

 

Ana Paula Ferreira



Texto publicado no Jornal da Cidade de 16 de maio de 2023

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Pedras no sapato feminino para as trilhas na Educação a Distância (EAD)

Esse artigo foi produzido juntamente com a querida professora Ana Chaves e pretende refletir sobre as mulheres e sua entrada na Educação a Distância que pode (ou não) se apresentar como uma possibilidade de acesso ao ensino superior. De modo a termos uma compreensão mais cabal sobre condições objetivas da mulher no mundo do trabalho capitalista serão evidenciados sob análise conceitual os estudos de Heleieth Saffioti (1976; 1984; 2015) e Silvia Federici (2017; 2021) aliando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Link de acesso ao artigo:

SciELO - Brasil - Pedras no sapato feminino para as trilhas na Educação a Distância (EAD) Pedras no sapato feminino para as trilhas na Educação a Distância (EAD) 

 



quinta-feira, 4 de maio de 2023

Ensino Médio e o canto da sereia

 


            A expressão “canto da sereia” é comum para designar algo encantador, sedutor, num ritmo musical que enfeitiça, no qual o ouvinte fica tão inebriado ao ponto de não se dar conta que está se afogando, numa morte certeira. Ulisses, o grande herói grego de Homero, sabia que em determinado local, tripulantes dos navios morriam ao ouvir a melodia das sereias, e muito astuto, pediu para seus guerreiros colocarem cera nos ouvidos para evitar que fossem capturados pelo som. Entretanto, na sua curiosidade, mandou que o amarrassem no mastro da embarcação para que pudesse escutar, sem correr o risco de se jogar em alto-mar.

            Há diversos cantos da sereia que também nos seduzem. Um deles, foi o discurso do MEC de anos anteriores e de empresas da área da educação para capturar mentes e corações na aceitação do Novo Ensino Médio, estipulado via Medida Provisória em 2016 e oficializado em 2017 por lei federal. Aliás, um parêntesis. Se as mudanças eram tão positivas assim para os estudantes, porque usar de um procedimento arbitrário, como Medida Provisória? Por que fazer uma alteração curricular de tal peso com um governo de legitimidade duvidosa, que foi o Michel Temer? Pois bem… então onde está o canto da sereia?

            Nessa nova configuração, há aumento da carga horária, para que estudantes tenham mais acesso a educação integral e em período integral. Ora, se ficarão mais tempo na unidade, haverá necessidade de mais recurso para alimentação para duas refeições, mais contratação de professores, mais investimento em laboratórios de informática ou de ciências no desenvolvimento de metodologias ativas. Daí vem a pergunta, de como é possível aumentar o tempo na escola sem aumentar gastos? Isso porque no mesmo período que Michel Temer aprovou o Novo Ensino Médio, também assinou a Lei de teto de gastos, que congela por 20 anos os recursos em educação.

            O canto da sereia embutido aí é que o problema da educação não é de falta de recurso, mas de gestão, o famoso slogan “fazer mais com menos”. A comunidade escolar não conseguirá aumentar o número de salas com festas juninas. Nenhum professor conseguirá saber das demandas de todos alunos, de suas características peculiares dando aula em 40 turmas, cada uma com mais de trinta alunos. Não se trata apenas de doação, de compromisso, é questão de política pública, de um Estado cumpridor com suas obrigações constitucionais, para que o funcionário público desempenhe suas funções com qualidade.

            A ideia propagada com o Novo Ensino Médio é de algo cativante, no qual o estudante pode escolher o que cursar, de acordo com seus interesses. Falam de autonomia na decisão sobre o itinerário, porém, não avisam que mais de 50% dos municípios possuem apenas uma escola de Ensino Médio, sem a estrutura adequada para ofertar os 4 itinerários de modo que haja a escolha estudantil. Qual seria a alternativa? A família se mudar para outra cidade de modo que o jovem conseguisse acesso? Além disso, é uma realidade educacional que faltam professores, espaço físico, laboratórios e, por isso, nem sempre a escola conseguirá atender as áreas de interesse dos estudantes.

            Outro canto da sereia reproduzido pelos burocratas da educação é que o Ensino Médio anterior era chato, desinteressante e que isso causava evasão. Quem trabalha nessa etapa do ensino sabe o quanto é falacioso isso, pois um dos maiores motivos é a necessidade de jovens em se inserirem no mundo do trabalho, em garantir um dinheiro no final do mês, mesmo que para isso, se subordinem a trabalhos precarizados. É a realidade de inúmeros estudantes em Poços de Caldas, que são garçons, atendentes, recreadores em hotéis de luxo da cidade, que além de não fazerem o registro em carteira de trabalho, cobram mais carga horária, e, consequentemente acabam levando essa juventude a abandonar a escola. Ora, por que em vez de se mudar o currículo, não há fiscalização desses empregos? Por que não há geração de renda suficiente para as famílias brasileiras, de modo a não permitir que jovens se antecipem em serviços que os levarão a desistir dos estudos?

           Diante do Novo Ensino Médio, as aulas serão mais dinâmicas, sob mais metodologia ativa e novos componentes curriculares – é o que diz a propaganda. Se será tão bom assim, por que a família de um apresentador global, que se mostrou a favor dessa mudança, não coloca os filhos no Novo Ensino Médio na rede pública de ensino? A verdade escondida nessa capa é que haverá uma distância ainda maior entre as redes pública e privada de ensino, pois enquanto a primeira estará suscetível ao destino de carga horária para ensinar a fazer bolo de pote ou brigadeiro, o ensino da rede privada tende a caminhar para reforçar o modelo propedêutico, preparando para o acesso ao Ensino Superior.

            O discurso é de melhorar o ensino público. Mas, sem investimento no valor do Custo Aluno Qualidade (CAQ), sem a formação de qualidade dos professores, sem um currículo que realmente valorize o saber, o Novo Ensino Médio será um canto da sereia com vistas a afogar os tripulantes de navios, preferencialmente os de escolas públicas. Não se trata de não escutar o canto, nem de ficar paralisado perante ele, mas de entender seus engodos, e nos articularmos enquanto sociedade para a sua revogação, enquanto há possibilidade democrática para tal.

 

Ana Paula Ferreira

Supervisora da rede estadual de ensino

Texto publicado no Jornal da Cidade 4/05/2023

E no Jornal Poços Já https://www.pocosja.com.br/2023/05/02/ensino-medio-e-o-canto-da-sereia/