Aqui fica um link de uma entrevista à TV Plan, de quando desenvolvi o Projeto "Menina Bonita do laço de fita" e que ganhou prêmio Educaminas em BH no ano de 2014.
Um blog para refletir sobre a educação... lembrando que a educação é do dia-a-dia, está em tudo e em todo lugar.
terça-feira, 16 de maio de 2023
Trabalho com educação étnica nas escolas
Contra a cultura do ódio
Dia 5 de
maio finalizamos um dos Projetos de Psicologia na escola Padrão. As
estagiárias, extremamente sensíveis, além de perceberem as incivilidades entre
os adolescentes, também observaram que o banheiro feminino era espaço para a
detração e “muro da maledicência”.
Cada uma que ia lá, via nas portas,
divisórias ou perto do espelho as ofensas destinadas às mulheres, nomes de
jovens que já passaram pela escola e que talvez até fossem conhecidas na comunidade.
Um simples gesto de veneno misturado com errorex ia plantando raiz de
desqualificar umas às outras pela aparência, pelo corpo, pela vida amorosa,
mostrando que a obra “Mito da Beleza” de Naomi Wolf ainda era atual, no
controle estético com vistas ao controle de gênero, tantas vezes incorporado
pelas próprias mulheres sem que se dessem conta.
Isso serviu para uma ação articulada
de 7 encontros, sendo um deles planejado com apoio dos docentes da escola. Em
dia combinado, os rapazes se reuniram com o professor responsável da aula e
conversavam sobre masculinidade tóxica. Enquanto isso, as adolescentes
participaram com as estagiárias de uma roda de conversa sobre sororidade,
machismo estrutural, cultura do linchamento moral.
Através desse diálogo foi possível a
consciência de que as violências verbais não eram coisas de espaços
desorganizados ou bárbaros, mas podem ocorrer em todo lugar, a partir do
momento que os sujeitos não estão refletindo sobre seus atos, com vistas à
mudança de comportamento.
Diante disso, as estagiárias
propuseram que as estudantes escrevessem frases de empoderamento para serem
coladas nos banheiros, por cima das ofensas. Não houve apagamento dos absurdos.
Isso foi simbólico, porque da mesma forma que é difícil limpar o que estava
registrado na pedra, também é moroso o processo de apagar grosserias que nos
dizem. Entretanto, por cima colou-se cartões de todas as cores, com frases
encorajadoras, para que quem lesse entendesse que havia alguém pensando num
mundo com mais boniteza.
A intervenção das estagiárias foi
carregada de sutileza e de sentido. Porque em tempos de redes sociais
denominadas “fofocas da escola”, em uma sociedade que consome em grande escala
a cultura do ódio, os indivíduos normalizam o menosprezo, a ofensa, a calúnia.
E o pior... como são inúmeras vozes, quase num coro, os ultrajados chegam em
algum momento a acreditar nos insultadores, mesmo que sejam palavras sem
coerência, sem fundamento para existir. Isso nada mais é do que a voz do
opressor existindo no oprimido.
Em relação a isso, há dois passos de
enfrentamento que vejo por ora.
O primeiro vai ao encontro do que o
Papa Francisco escreveu numa carta encíclica sobre o que significa amar o
opressor. Não é aceitar o que faz, mas sim, procurar mostrar o quão arbitrário
está agindo e criar condições para que deixe de oprimir. Assim, quando se
prefere expor diretamente aos insultadores as violências observadas há o
cumprimento dessa responsabilidade de se tirar o poder do opressor, mesmo que
naquele momento ele não tenha condições de refletir e de pedir desculpas.
Entretanto, como identificar se
realmente houve opressão, se por acaso não é algo que possamos estar
confundindo com brincadeiras ou com temperamento mais impulsivo? A opressão se
manifesta na diminuição do outro como ser humano, em montar narrativas que se
utilizam de ofensas, que menosprezam, que falsificam, ou na escolha de posturas
antidialógicas de se virar as costas num momento de conversa, de apontar o
dedo, de impedir a democratização do acesso a bens ou espaços que estão
consagrados para um pequeno número de pessoas.
Compreendida a opressão e como combatê-la, o
segundo passo, é saber que integridade exige não contar com a aprovação alheia,
mas sim com a própria consciência. Não é fácil. É mais comum seguir a onda,
imitar o que os outros fazem, rir das maledicências destinadas a terceiros,
postar mensagens nas redes que exponham e humilham a fim de ganhar aplausos do
grupo de convivência. Nessa perspectiva, lembrei de um trecho do livro “Persépolis”
da escritora iraniana Marjane Satrapi. Trata-se de um HQ autobiográfico que a
autora nos conta quando foi morar na Áustria e fingiu ser francesa, sendo alvo
de deboches. Por fim, ela se impõe, assume quem é, chega na conclusão de que
“Se eu não mantivesse a minha integridade, jamais poderia me integrar”.
Se a adaptação é para ganhar
credibilidade, para adquirir apreço, mesmo que isso venha às custas de xingar e
deixar recados maldosos no banheiro, a pessoa se integrará, porém se afastará
de um processo humanizatório, de desenvolvimento ético. Por fim, cabe reforçar
que haverá quem fere a história que construímos, quem planta detração, mas
haverá aqueles e aquelas que vão colocar por cima mensagem de gentileza, de
sinceridade misturada com acolhimento. Assim, há grupos íntegros que podemos
nos integrar sem que nos percamos de nós mesmos.
Ana
Paula Ferreira
Texto publicado no Jornal da Cidade de 16 de maio de 2023
segunda-feira, 8 de maio de 2023
Pedras no sapato feminino para as trilhas na Educação a Distância (EAD)
Esse artigo foi produzido juntamente com a querida
professora Ana Chaves e pretende refletir
sobre as mulheres e sua entrada na Educação a Distância que pode (ou não) se
apresentar como uma possibilidade de acesso ao ensino superior. De modo a
termos uma compreensão mais cabal sobre condições objetivas da mulher no mundo
do trabalho capitalista serão evidenciados sob análise conceitual os estudos de
Heleieth Saffioti (1976; 1984; 2015) e Silvia Federici (2017; 2021) aliando
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Link de acesso ao artigo:
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Ensino Médio e o canto da sereia
A
expressão “canto da sereia” é comum para designar algo encantador, sedutor, num
ritmo musical que enfeitiça, no qual o ouvinte fica tão inebriado ao ponto de
não se dar conta que está se afogando, numa morte certeira. Ulisses, o grande
herói grego de Homero, sabia que em determinado local, tripulantes dos navios
morriam ao ouvir a melodia das sereias, e muito astuto, pediu para seus
guerreiros colocarem cera nos ouvidos para evitar que fossem capturados pelo
som. Entretanto, na sua curiosidade, mandou que o amarrassem no mastro da
embarcação para que pudesse escutar, sem correr o risco de se jogar em
alto-mar.
Há diversos cantos da sereia que
também nos seduzem. Um deles, foi o discurso do MEC de anos anteriores e de
empresas da área da educação para capturar mentes e corações na aceitação do
Novo Ensino Médio, estipulado via Medida Provisória em 2016 e oficializado em
2017 por lei federal. Aliás, um parêntesis. Se as mudanças eram tão positivas
assim para os estudantes, porque usar de um procedimento arbitrário, como
Medida Provisória? Por que fazer uma alteração curricular de tal peso com um
governo de legitimidade duvidosa, que foi o Michel Temer? Pois bem… então onde
está o canto da sereia?
Nessa
nova configuração, há aumento da carga horária, para que estudantes tenham mais
acesso a educação integral e em período integral. Ora, se ficarão mais tempo na
unidade, haverá necessidade de mais recurso para alimentação para duas
refeições, mais contratação de professores, mais investimento em laboratórios de
informática ou de ciências no desenvolvimento de metodologias ativas. Daí vem a
pergunta, de como
é possível aumentar o tempo na escola sem aumentar gastos? Isso porque no mesmo
período que Michel Temer aprovou o Novo Ensino Médio, também assinou a Lei de
teto de gastos, que congela por 20 anos os recursos em educação.
O canto da sereia embutido aí é que
o problema da educação não é de falta de recurso, mas de gestão, o famoso
slogan “fazer mais com menos”. A comunidade escolar não conseguirá aumentar o número
de salas com festas juninas. Nenhum professor conseguirá saber das demandas de
todos alunos, de suas características peculiares dando aula em 40 turmas, cada
uma com mais de trinta alunos. Não se trata apenas de doação, de compromisso, é
questão de política pública, de um Estado cumpridor com suas obrigações
constitucionais, para que o funcionário público desempenhe suas funções com
qualidade.
A ideia propagada com o Novo Ensino
Médio é de algo cativante, no qual o estudante pode escolher o que cursar, de
acordo com seus interesses. Falam de autonomia na decisão sobre o itinerário,
porém, não avisam que mais de 50% dos municípios possuem apenas uma escola de
Ensino Médio, sem a estrutura adequada para ofertar os 4 itinerários de modo
que haja a escolha estudantil. Qual seria a alternativa? A família se mudar
para outra cidade de modo que o jovem conseguisse acesso? Além disso, é uma
realidade educacional que faltam professores, espaço físico, laboratórios e,
por isso, nem sempre a escola conseguirá atender as áreas de interesse dos
estudantes.
Outro canto da sereia reproduzido
pelos burocratas da educação é que o Ensino Médio anterior era chato,
desinteressante e que isso causava evasão. Quem trabalha nessa etapa do ensino
sabe o quanto é falacioso isso, pois um dos maiores motivos é a necessidade de
jovens em se inserirem no mundo do trabalho, em garantir um dinheiro no final
do mês, mesmo que para isso, se subordinem a trabalhos precarizados. É a
realidade de inúmeros estudantes em Poços de Caldas, que são garçons,
atendentes, recreadores em hotéis de luxo da cidade, que além de não fazerem o
registro em carteira de trabalho, cobram mais carga horária, e,
consequentemente acabam levando essa juventude a abandonar a escola. Ora, por
que em vez de se mudar o currículo, não há fiscalização desses empregos? Por
que não há geração de renda suficiente para as famílias brasileiras, de modo a
não permitir que jovens se antecipem em serviços que os levarão a desistir dos
estudos?
Diante do Novo Ensino Médio, as aulas serão mais dinâmicas, sob mais metodologia ativa e novos componentes curriculares – é o que diz a propaganda. Se será tão bom assim, por que a família de um apresentador global, que se mostrou a favor dessa mudança, não coloca os filhos no Novo Ensino Médio na rede pública de ensino? A verdade escondida nessa capa é que haverá uma distância ainda maior entre as redes pública e privada de ensino, pois enquanto a primeira estará suscetível ao destino de carga horária para ensinar a fazer bolo de pote ou brigadeiro, o ensino da rede privada tende a caminhar para reforçar o modelo propedêutico, preparando para o acesso ao Ensino Superior.
O discurso é de melhorar o ensino
público. Mas, sem investimento no valor do Custo Aluno Qualidade (CAQ), sem a
formação de qualidade dos professores, sem um currículo que realmente valorize
o saber, o Novo Ensino Médio será um canto da sereia com vistas a afogar os
tripulantes de navios, preferencialmente os de escolas públicas. Não se trata
de não escutar o canto, nem de ficar paralisado perante ele, mas de entender
seus engodos, e nos articularmos enquanto sociedade para a sua revogação,
enquanto há possibilidade democrática para tal.
Ana Paula Ferreira
Supervisora da
rede estadual de ensino
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Educação nossa de cada dia
Porque assim como o pão tem que ser de cada dia, também a educação está no nosso cotidiano, nas nossas ações, na nossa formação.
Educação num sentido amplo, não só de escolarização, mas de humanização, de conhecer o que nos foi deixado pelo legado histórico, de apropriar do que a humanidade produziu e buscar trazer releituras, recontos, novas perspectivas, aumentar um ponto, enfim... mostrar que a educação está em vários momentos da vida: no nosso desenvolvimento, na de nossos filhos, de nossos alunos, da sociedade.
Da mesma forma que o trigo precisa ser debulhado para depois ser pão, o conhecimento precisa ser trabalhado para se constituir em saber. Não vivemos sem pão, sem o alimento para o corpo, porém não nos suprimos sem o conhecimento, pois o tempo todo nos defrontamos com escolhas e com a necessidade de intervir sobre as coisas existentes.
O trigo não basta! É preciso pão!
A concretude não basta! É preciso ir além do palpável e do visível!
Por isso não vivemos sem educação. Não comemos, não vestimos, não habitamos, não sonhamos sem educação.
E daí o fato de precisarmos nos apoderar do saber para termos mais controle sobre o que comer, o que vestir, onde morar e o que sonhar , pois caso contrário estaremos vivendo de forma rasa, superficial, uma vez que sempre haverá alguém para querer pensar por nós.
Ana Paula Ferreira
Outubro de 2015