“Precisamos falar sobre Kevin” é o nome de um filme
que trata sobre um jovem com perfil de perversão. Sem empatia, nem demonstração
de carinho ou de sentimento de culpa, Kevin manipula, mente, manifesta prazer
na dor alheia. Ele planeja um massacre e declara que uma das intenções era
receber o holofote da fama, uma vez que sabe que um número expressivo de
pessoas consome audiências sangrentas e sensacionalistas.
Kevin
é esse rapaz. Meticuloso, astuto e diante desse comportamento frio, muitos acabam por
atribuir que a responsabilidade seja individual, de um sujeito desviante da
norma social.
Mas
em que medida nossa sociedade também não tem elevados índices de perversão?
Quando nos preocupamos mais com a história do assassino do que com as vítimas,
o que indicamos com isso? Ao consumir ou produzir discursos de ódio ou notícias
falsas que modelo social estamos construindo? Quando as famílias não possuem
diálogo, ninguém se interessa pelo cotidiano uns dos outros, não há afeto,
o que essas pessoas estão comunicando entre si?
Alguns elementos
de Kevin podem estar em nós, pertencentes a uma cultura narcísica, de restrição
à participação social, acostumados que somos ao individualismo. Aliado a isso,
um Brasil que tem em sua gênese colonial o genocídio dos povos
originários, as marcas irreparáveis de uma escravidão que foi uma das últimas a
ser abolida, e a morte de mulheres, que nos coloca no lastimável ranking
mundial de 5º lugar de feminicídio.
Ora,
mas se temos enquanto seres humanos condições sociais que nos possibilitam a
frieza no trato com o outro ou um histórico de Brasil declaradamente violento,
por que o crescimento de ataques às escolas foi maior nos últimos anos?
Múltiplos
fatores podem ser elencados, mas não tem como deixar de mencionar o crescimento
do discurso de ódio, validado inclusive por personalidades públicas e
concomitante, um aumento de 270% de grupos nazistas em 3 anos. Cabe lembrar que
nazismo é um regime da extrema direita, violento e que tem cooptado através da
internet um público jovem, sedento por visibilidade, vínculos e valorização.
É
importante chamar a atenção que foram ataques “às escolas” e não apenas “na”
escola. Não aconteceu em shopping, símbolo do capitalismo, nem ataque a metrô,
símbolo das metrópoles. E o que a escola ainda representa? Local do convívio
com a diferença, de encontro com a diversidade, onde a democracia tem um enorme
potencial, o que é algo inaceitável por ultraconservadores que tentam silenciar
professores e currículos. Além disso, o massacre em escola também é um
indicativo da necessidade de gerar o caos, o pânico, o medo e junto a isso, a
preocupação em se armar.
Assim,
para os acionistas da Taurus, para os “Senhor das Armas” não adianta liberar o
porte de armas se as pessoas não se sentem inseguras o suficiente para se
armarem. Essa foi a conclusão que Michel Moore chegou no documentário “Tiros em
Columbine” na (ir)responsabilidade do discurso midiático que propaga
veementemente o medo para gerar a necessidade de aquisição de armas, câmaras e
todos aparatos para as pessoas se blindarem umas contra as outras, afinal o
inimigo pode estar em qualquer lugar. No interesse capitalista em vender armas
sobrepondo o valor da vida, alguma semelhança com o personagem Kevin?
Contra
a lei do mais forte e contra a ideia do “cada um por si” é necessário uma
segurança que seja PÚBLICA, com alto nível de preparo técnico e de abordagem
humana, de modo que consigam exercer com zelo suas obrigações perante o povo
brasileiro, na defesa da vida e da justiça. Reforço que isso é um trabalho fora
das escolas, na vigilância das mediações, na utilização da inteligência
policial para prevenção de crimes. Só isso basta? Claro que não. Faz-se
necessário uma política que seja ampla, porque onde a sociedade é mais desigual
mais a violência brota. Portanto, é imprescindível a valorização salarial,
geração de renda e de emprego, investimentos em educação, saúde, segurança
pública e regulamentação da mídia.
Esse
último é um ponto nevrálgico! Enquanto não houver um regramento da internet e
da comunicação de massa, enquanto for possível a propagação de notícias falsas,
ou o acesso a canais que potencializam a violência e a perseguição a grupos
mais vulneráveis, haverá o destaque na sociedade de todo esgoto humano passando
em céu aberto, sem controle, sem pudor, sem sentimento de culpa, mostrando que
Kevin está mais presente do que imaginamos.
Enquanto
isso não é uma realidade, que a família, pais e mães abracem seus filhos,
mostrem o quanto são importantes, sejam presentes. E… também estejam na vida em
sociedade para defesa e luta por uma sociedade mais justa. Afinal, não há como
escolher entre “criar um filho bom para o mundo ou um mundo bom para o filho”.
É urgente e necessário que sejam as duas coisas.
Ana Paula Ferreira
Supervisora da rede estadual
Mãe da Isabela de 11 anos
Texto publicado no Jornal da Cidade 14/04/2023
Texto maravilhoso! Apanhado importante para se refletir nestes momentos. A educação como principio para a ação humana é um importante fazer de todos, família, escola, sociedade.
ResponderExcluirSim.... bem isso.... porque tudo está interligado.
ExcluirConcordo plenamente com o texto. É preciso regular as mídias sociais e ter a Segurança Pública como se deveria ser, com as polícias junto às comunidades, junto às escolas, nos bairros.
ResponderExcluirSim... segurança pública como direito social de qualidade.
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