As fotos de desnutrição dos
yanomamis chocaram o mundo e é fato que esse genocídio sombrio não se iniciou
agora. Povos indígenas foram exterminados desde a chegada dos europeus, que
trouxeram gripe, sarampo, tuberculose, sífilis, pólvora, ou nas palavras de
Neruda “a espada, a cruz e a fome”.
Aimorés, Goitacazes, Carijós, Cariris,
Guaranis, Tamoios e tantos outros povos foram caracterizados como selvagens. A
perversidade da nomenclatura agia como lâmina: ao serem selvagens, não mereciam
viver na sua plenitude. Portanto, se a morte não fosse simbólica, de todas suas
memórias e identidades, amansados pelas cruzes cristãs ou reduzidos a escravos
pelas espadas dos bandeirantes, a morte seria real, sanguinária, dizimando
milhões de indígenas, enterrando culturas, línguas, formas de ver e viver o
mundo.
Na perspectiva europeia, ameríndios
deveriam trazer lucros, gerar riquezas, abastecer o capitalismo internacional
que já dava seus ensaios de mostrar os desequilíbrios econômicos entre os
colonizadores e colonizados. Se os indígenas não participassem dessa lógica eram
considerados preguiçosos, atrasados e daí a pergunta que muitos se fazem até
hoje: por que preservar suas culturas se são os inimigos do desenvolvimento
econômico?
Primeiro, é importante frisar que
os indígenas partem de outra ótica planetária. Num planeta que já não sabe o
que fazer com seu lixo, os indígenas produzem suas casas com materiais
biodegradáveis; numa economia neoliberal que desmata hectares para benefício
imediatista da agropecuária e de madeireiras, indígenas preservam florestas
mediante a agricultura itinerante; numa sociedade que transforma a todos como
meros consumidores, indígenas são produtores diretos de suas próprias
habitações, instrumentos musicais, alimentação.
Aliás, cabe lembrar que através
da manutenção de suas reservas é possível ter a regularidade de rios voadores
que contribuirão com a umidade das plantações do Centro-oeste. Seca é
subdesenvolvimento, é fome, é falta de geração de renda. Assim sendo, povos
indígenas não remam contra um desenvolvimento que seja ecologicamente
sustentável.
Contudo, apesar de ajudarem na
nossa produção de comida, estão morrendo de fome, agravada pelo governo Bolsonaro
quando atribuiu que a demarcação das terras indígenas seria feita pelo
Ministério da Agricultura ao invés da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos
Indígenas). Isso resultou em deixar que ruralistas se encarregassem de “cuidar”
das terras dos povos originários e a consequência foi a entrada maciça de
tratores, carretas, gado, arrendamentos ilegais, aumento exponencial do
desmatamento e da morte da população indígena nos últimos anos.
Inúmeras denúncias foram
realizadas, inclusive sobre os impactos do garimpo ilegal. Geração de renda!
Alguns dirão... Porém, renda e ganhos para quem? Novamente o capitalismo se
impõe e além da destruição de yanomamis, garimpeiros se mantem pobres sem a
previsão de qualquer direito trabalhista. Ainda na onda do desastre econômico,
ao ser ilegal, não há geração de imposto, fragilizando a eficiência do Estado
no cumprimento de suas ações. Enquanto isso, empresários nacionais exportam o
ouro em barra e joalheiros internacionais lucram com a devastação ambiental,
social e étnica de países que se curvam a seus interesses.
O garimpo traz junto de si o
mercúrio que contamina águas, terra, plantas e consequentemente interfere na produção
alimentar. O quadro piorou com os surtos de malária e na falta de medicamentos,
cuja empresa responsável entregou menos de 30% do previsto. Mulheres e crianças
yanomamis são alvos de exploração sexual em troca de comida, dezenas morreram desnutridos
e enquanto isso a indústria da mentira quer associar essa tragédia como se
pertencesse aos grupos indígenas que vivem na Venezuela.
Quais são as perspectivas
futuras? O que esperar? Ou melhor, como participar desse movimento de defesa de
suas vidas?
Em visita recente ao Museu do
Amanhã (RJ) me impressionei com as imagens de Sebastião Salgado em homenagem
aos nossos povos originários da Amazônia. A exposição não deixou de se articular
com o segundo andar e a iluminação do ambiente. Começava por salas mais escuras,
que serviam como um convite à reflexão do que deveremos manter para que haja um
“amanhã” e por isso não faltaram apelo à consciência ambiental, à preservação
cultural, passando por locais nos quais os visitantes, se enxergassem nesse
papel de estar no centro da sociedade, no meio e, logo, responsáveis também por
esse modelo violento de economia que incide em tantos outros problemas.
Mas no final do túnel havia
realmente luz. Luz do próprio sol que entrava pela estrutura do museu e nos
possibilitava ver com claridade duas imagens. A primeira, uma churinga, uma
espécie de urna de histórias, onde os anciãos australianos guardavam toda uma
cultura a ser contada para as novas gerações. A segunda, o horizonte do oceano,
horizonte que traz a beleza da metáfora em se confundir com o amanhã, que se
abre na nossa frente feito um imenso tapete de água, no qual se perde a ideia
do que virá.
Não sabemos se conseguiremos
preservar a cultura de nossos povos. Não sabemos se haverá meios para reverter
tantos danos ambientais que já foram cometidos. Mas estamos no meio disso e
fugir é dar o aval aos colonizadores da globalização, repetir mentiras é
esquecer o que está na churinga de nossas memórias enquanto povo, esquecer das
atrocidades ou ser conivente a elas é não se responsabilizar por um futuro do
cuidado, da diversidade, de uma vida que pode ser socialmente sustentável e que
os povos indígenas tanto revelam sobre isso.
Ana Paula Ferreira
Educadora e membro do Coletivo Educação
Que maravilha de reflexão! Que bom que compartilhou conosco suas considerações! Que tenhamos consciência e força para a transformação que se faz necessária! Abraço fraterno
ResponderExcluirQue legal que gostou! E que tenhamos muita churinga para que consigamos ter memória e não repetir os mesmo erros enquanto humanidade!
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