- Fia, como chama aquela mulher do feminismo que vocês gostam?
- É
Frida, mãe!
-
Mas por que vocês que lutam pelas mulheres, admiram alguém que sofreu tanto por
um homem?
Com base nessa conversa, pensei muito no assunto, pois meu próprio e-mail faz referência à uma personagem de livro que me marcou profundamente na adolescência. Karenina era uma aristocrata que abandona o marido e o filho para viver um impetuoso amor, e, posteriormente, atormentada pelo isolamento social e sentindo o amante cada vez mais distante, num ato de desespero, joga-se na frente de um trem.
Daí que surgiu o título desse texto na tríade “mulher, sofrimento e amor”. Não que o sofrer seja específico da alma feminina e os sucessos da música sertaneja apontam isso. Mas, por outro lado, cabe refletirmos na questão do afeto e do gênero como construções culturais.
Isso porque desde pequenas somos acostumadas a assistir cenas que nos remetam a ideia de que a mulher precisa suportar o sofrimento para depois desfrutar de um amor. Assim, Bela aguenta o cárcere privado imposto pela Fera, Cinderela fica na angústia da espera pelo príncipe, Ariel emudece para tentar ter a paixão correspondida. Além do impacto da indústria cultural que produz filmes, músicas, livros, novelas inspirando um jeito de viver na subjetividade feminina, a infância demonstra outros marcadores de gênero, nos quais a menina ganha panelinhas, bonecas bebês de tudo quanto é tamanho, kits de maquiagem, que em resumo lhe tentam traçar o destino: do lar, boa mãe, vaidosa com vistas a chamar a atenção do gênero masculino.
O universo público não é posto para a mulher, mas sim o doméstico. Sendo assim, é vendido o projeto de que é preciso conservar o amor, a beleza, a sensualidade, o marido e fazer de tudo para que seja reconhecida. Ocupar-se disso, dói, machuca porque escravizamos nosso corpo. Não é fácil encolher a barriga em cintas, andar sobre saltos, machucar a perna numa depilação, com laser, lâmina ou cera.
Fazemos porque gostamos, alguns dirão... Pode ser escolha, afinal, nos definimos como seres racionais capazes de decisão. Contudo, é inegável a pressão social, a imposição cultural de que mais vale seguir tendências do que ter a autenticidade respeitada.
“Mirem-se no exemplo das mulheres de Atenas”, já musicava Chico, reforçando o quanto nossa cultura ocidental olhou o espelho do nosso berço civilizatório para colocar a mulher a serviço do marido. O modelo patriarcal está presente a milhares de anos e perdura com as histórias bíblicas, na figura de mansidão de Maria, nos discursos de padres e pastores, nas políticas públicas impostas principalmente por homens que se ocupam da política, nos assédios cotidianos, na criação de uma mentalidade que atribuí a mulher a característica da sensibilidade para torná-la serva do cuidar.
Historicamente a sensibilidade nos foi cultivada, o cuidado com os demais nos foi imposto. Ensinaram-nos que para atingir a felicidade precisaríamos de um parceiro e que mesmo numa relação tóxica, era necessário exercitar a paciência, a quietude, o equilíbrio. Daí que independente de sermos ricas igual a Karenina ou talentosas tanto quanto a Frida, ou com reconhecimento social, ainda sim, poderíamos estar presas nas nossas dependências emocionais.
O que fazer? Nos libertarmos de nossas prisões psíquicas? Talvez um caminho seja pensar que “Você é seu próprio lar” trecho que ecoa da banda “Franscisco, El hombre”. Assim, independente se casadas ou solteiras, ou qualquer outra definição, que consigamos ter uma relação de paz conosco.
E se o sofrer aparecer? Uma possível estratégia seja o que Nietzche chamou de “Amor Fati”, ou amor ao destino, o que não significa uma postura de resignação, mas de usar esse potencial de dor para criar, para refletir, para se reinventar, até porque somos o que somos pela nossa história e como olhamos para ela. Haverá as que colocam a mochila nas costas e partem para uma liberdade estilo Frozen “livre estou” e outras que tentarão com tintas, cores, pensamentos, traduzir o sofrimento amoroso em arte.
Frida estava emocionalmente ligada ao pintor Diego tal como a escultora Camile Claudel também se apaixonou pelo famoso artista Rodin. Não significa que elas se abandonaram a própria sorte, mas escolheram se entregar ao sentimento de maneira profunda fazendo brotar o quadro “Diego on my mind” ou a escultura “L'Âge mûr” que retrata uma jovem implorando amor a um homem mais velho.
Seria muito pueril desejar o não sofrimento. Ele é inerente a nossa condição de seres desejantes, que fazem suas escolhas apesar de todas condições adversas. Por isso admira-se a história de muitas mulheres. Não porque sejam perfeitas, mas porque souberam em algum momento lidar com suas feridas e se colocar de alguma forma frente a esse mundo patriarcal, uma cultura milenar que cabe a cada um e cada uma de nós quebrar.
Ana Paula Ferreira
Membro do Mulheres pela Democracia
Exatamente, Paula. Amei o texto... obrigada pelas palavras que nos fazem refletir.
ResponderExcluirObrigada, Ana! Que texto forte é necessário, lavou a alma
ResponderExcluirAmor e leve,tranquilo e desinteressado quando existe obsessão,ou má apreciação isso só traz a auto destruicao
ResponderExcluirFico feliz que tenham gostado... lutar contra o patriarcado e ao mesmo tempo irmos trabalhando nossos sentimentos, das mais variadas formas...
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