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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Pedagoga e o compromisso de conduzir a educação

         


          Vou colocar no feminino o nome da profissão, pois sabemos que essa tem a questão de gênero bem demarcada: é feita principalmente por mulheres! Pedagoga é a profissional que investiga, elabora, realiza práticas educativas que podem ocorrer em diversos espaços e não apenas o escolar. Isso porque enquanto seres humanos, somos animais políticos, sociais, construtores de cultura, de linguagem. Além da nossa capacidade de criar casas, poesias, tecnologias e várias outras coisas, podemos também ensinar e é dessa maravilha de partilhar saberes que a pedagoga se ocupa, possibilitando que as novas gerações se apropriem e recriem do que foi construído pelas gerações que as precederam.

            Não é sem razão que a origem da palavra é paidós (criança) e agogé (condução), para se referir às pessoas que acompanhavam os mais novos até a escola. Essa cena da condução é muito simbólica, pois é possível imaginar lá na Grécia Antiga, palco da etimologia da palavra, a figura de um adulto guiando, orientando a criança para ela chegar a seu destino, que é justamente o espaço privilegiado do saber, do conhecimento. Significa dar autonomia, de estar perto no seu período de desenvolvimento, mas sem sufocar; de ajudar nas trilhas do saber, mas sem infantilizar; de democratizar o que foi produzido pela humanidade.

            Nessa relação já existente entre o ensinar e o aprender, o desenvolvimento da criança e o contexto a que pertence; a pedagoga alia conhecimentos da psicologia com a sociologia; de visão de indivíduo, sem abrir mão de visão de mundo, entendendo que as coisas funcionam na mão de via dupla, na partilha, na troca seja entre pessoas, seja entre áreas. E por isso, que mesmo diante de uma sociedade ocidental que fez tanto apelo a um pensamento binário, que tanto valorizou um ponto em detrimento a outro, a Pedagogia traz em sua formação as condições de combinações, como se misturasse bem um ingrediente com o outro. Não joga tempero apenas às ciências, pois compreende o papel de sensibilização da arte, nem tampouco enaltece ciências da natureza, porque sabe que de pouco adianta desenvolvimento tecnológico sem desenvolvimento humano.

            Durante esse percurso ao conhecimento pedagoga equilibra pratos sem deixá-los cair, como se fosse uma malabarista. Traz a tradição do currículo, mas se coloca à disposição para as novidades trazidas pelos estudantes; cuida e educa; junta afeto com razão; alia o conhecimento erudito com o popular; ensina a leitura da palavra, levando em conta a leitura de mundo; faz tecitura do saber global com o local; atua num presente, com crianças, jovens, adultos, mas sem perder o foco de um plano de futuro.

            Lógico que para isso acontecer, o trabalho não é de apagar fogo. Discursos que romantizam tempo dispendido apenas em separar brigas, acudir aluno que passou mal ou família que precisou ser atendida de última hora, estão negando a fundamentação da práxis pedagógica entre o pensar e o fazer, o planejar e o realizar. E justamente pelo fato disso exigir estudo, reflexão, que pesquisadores como Libâneo defendem que a Pedagogia deva ser compreendida como “ciência da educação”, pois não basta lecionar, é necessário investigar as razões da dificuldade de aprendizagem; não basta acatar o que o diz o Conselho de classe, mas questionar os métodos de avaliação e didática que se mostram excludentes. Tampouco não adianta ter leveza no cotidiano escolar, quando não se questiona as amarras de opressão feitas na escola ou contra a escola. Como defende o professor Celso Vasconcelos... é preciso sim da alegria, mas de uma alegria crítica.

            Se por um lado não cabe a romantização, pois dociliza as microviolências sob roupagem de felicidade, no planejamento pedagógico é necessário o processo de desnaturalização, e daí a importância de acompanhar e reivindicar políticas públicas eficientes. Assim sendo, questionar as vagas insuficientes na Educação Infantil, a normalização de 45 alunos na sala de aula, a ausência de transporte escolar que acaba incidindo na evasão ou a falta do pagamento do piso salarial que implica que os professores trabalhem com mais turmas e, portanto, tenham menos tempo de se dedicar a apenas uma comunidade escolar.

À medida que o espaço se amplia, da sala de aula, para a gestão de uma escola ou para o trabalho em uma secretaria de educação, o trabalho de equilíbrio continua o mesmo, porém muda a quantidade de fatores que precisam ser observados a uma só vez. Orquestrar não é tarefa fácil. É mais cômodo deixar a banda tocar. Por outro lado, sem a mediação a banda vai desafinando, porque a harmonia entre os instrumentos de corda, de madeira, de metal ou de percussão precisam de uma condução, da mesma forma que na relação entre estudantes, professores, direção, funcionários administrativos, famílias, há a necessidade de uma liderança para não se perder o foco no aprendizado. A questão é: a pedagogia ao conduzir para o acesso a pensamento científico, artístico ou linguístico será apenas para um grupo privilegiado ou para todos?

Na resposta estão a ideologia e o caminho que tomaremos.

 

            Ana Paula Ferreira

Pedagoga egressa da UEMG,

(universidade em greve diante dos cortes do governo Zema).

Texto publicado no Jornal da Cidade 24/05/2024 

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Aniversário

 Bom demais fazer aniversário!

É como se abrisse mais uma janela no tempo e a gente esperançasse novas fases.
O certo é que a ideia de sistematizar o tempo é bobeira. Invenção de historiadores pra controlar o tempo, como se ele fosse controlável.
O mais divertido é estar com pessoas queridas, família, amigos, pessoas que estiveram com a gente em tantas situações e param tudo pra vir brindar, comemorar e trazer a alegria pra perto da gente.
Se em algum momento eu estava com medo dos cabelos brancos, hoje quero só a preocupação de viver plenamente.
Um brinde a vida!

sexta-feira, 17 de maio de 2024

EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA

 

  

 EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Ana Paula FERREIRA

Christiane Ferreira Joaquim PEREIRA2

Giovana Carine LEITE3

Thaís Ronsini de CARVALHO 4


Trabalho apresentado na Jornada Científica e Tecnológica e Simpósio de Pós-Graduação do IFSULDEMINAS, 12ª Jornada Científica e Tecnológica do IFSULDEMINAS. 

LINK: CLICAR AQUI 


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Carta ao meu pai

 


Você é terra.

Tem pessoa que é ar, outras água, algumas fogo. Mas você sem sombra de dúvida é terra. E tal como a terra silenciosa, o senhor era lacônico, de poucas palavras, de quem mais observava do que falava e quando conversava nos dizia sobre o passado, as notícias da TV, a natureza, as passagens da Bíblia.

O passado estava fincado no senhor que nem a marca do arado na terra. Tinha o seu modo tradicional de vestir, sempre de calça de Oxford, camisa e botina. Não se sentia bem em comprar algo enquanto o objeto anterior não estivesse totalmente gasto e por mais que ganhasse roupas, ficariam guardadas até que de fato julgasse justo usar. Foi de uma geração que a “palavra dada não se volta atrás” e de uma inteligência prática de quem se põe a resolver qualquer desafio sem precisar consultar Youtube.

Assim como a terra chegou antes dos outros elementos, o senhor era extremamente pontual. A bem da verdade é que chegava antes e daí que nossos ponteiros, viravam e mexiam estavam desajustados e eu dificilmente conseguia acompanhar o seu tempo, que era o da natureza, de acordar com o nascer do sol e dormir também cedo. Nesse ritmo, assim que o senhor percebia que estava com a bateria social baixa, voltava para seu refúgio, contemplando os bichos e as plantas, afinal seu mundo estava ali, nas suas terras, pois o senhor saiu da roça, mas a roça não saiu do senhor.

Não é sem razão que tudo o que plantava, nascia, vigorava e a gente teve a benção de viver uma infância e adolescência com comida diretamente da horta: chás, chuchu, couve, abóbora, mamão, limão, maracujá, banana e tantos outros alimentos orgânicos. A facilidade de plantar era a mesma que a de construir casas. Da terra eram erguidas suas construções, na qual o senhor acompanhava a parte hidráulica, elétrica, de alvenaria e o que era apenas esboço num papel, se transformava em quartos, cozinha, quintal. Quando não plantou, construiu casas; quando não construiu casas, vendeu sementes para as fazendas da região. Lembro que o senhor colocava as sacas de braquiara no seu Chevette para fazer as entregas e depois, ao me buscar na escola, eu muito tonta, ficava com vergonha ao ver o carro sujo. Com o tempo que percebemos a bobeira quando tentamos apagar quem somos e da onde viemos.

Essa vergonha não era vivida pelo senhor. Era autêntico e sempre foi. Era firme nas convicções que nem a solidez da rocha. Foi sempre terra até na pouca flexibilidade, na intransigência em fazer as coisas do seu modo, na teimosia. Por ser terra, a gente que precisava se aproximar do seu mundo de Jornal Nacional, de horário para ver o jogo de futebol, da sua rotina. O senhor não se mobilizava. Mas ali estava para qualquer coisa. Terra que era, sempre estava no mesmo lugar.

E a terra, que lhe era tão familiar, tudo brotava, atraindo tucanos, papagaios e dezenas de outros pássaros que para lá voavam. Em comparação, o interesse do senhor não era de voar, e não faltavam convites de viagem ou de passeios. Enquanto seus irmãos iam para os Estados Unidos o senhor me contava orgulhoso que nunca iria para lá.

Eu, em contrapartida, me sentia um pouco que nem essas aves livres, que podiam conhecer tantas coisas e ao voltar, trocariam as histórias pelo seu acolhimento. O senhor, por sua vez, tinha gosto de apreciar a natureza que cresceu em meio ao concreto, e assim, mirar os passarinhos retornando e partindo, retornando e partindo.

Difícil agora é retornar e não te ver. Difícil é saber se serei boa semeadora que nem o senhor foi... Aliás, na nossa última conversa, o senhor contou novamente a parábola do semeador e depois terminou dizendo “De que adianta jogar a semente na pedra? Precisamos saber onde semear”.

Muita coisa está germinando em minha alma desde sua partida. Ficam os conselhos, as lembranças, faz morada a música sertaneja que o senhor tanto gostava. Se antes o senhor chorava ao ouvir “Travessia do Araguaia” porque lembrava do tio Zezé, hoje sou eu quem choro pelo boi que morreu para dar passagem aos mais novos e fico na esperança que nós, as gerações que precedem, possamos deixar a terra um local mais bonito para se viver.

Obrigada, pai!

E não esquece que te amo.


Esse texto virou capítulo do livro "Cartas para meu pai" da Editora Literíssima, publicado em 2024. 
Link para aquisição: 
https://www.literissima.com.br/product-page/carta-parameu-pai