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terça-feira, 2 de abril de 2024

Direito à educação: permanência na escola

 


A obrigatoriedade da oferta de ensino dos 4 anos aos 17 anos só ocorreu em 2009 e, portanto, percebe-se o quanto a universalidade da oferta da Educação Infantil e do Ensino Médio ainda é um desafio recente. Esse histórico excludente da educação brasileira está alinhado ao modelo da nossa sociedade extremamente desigual em se tratando de classe social, questão racial e de gênero. Aliás, o perfil do estudante que abandona a escola sem terminar a escolaridade diz muito sobre isso.

De acordo com dados da Unicef de 2022, quase 50% dos que evadiram, alegaram não frequentar a escola por motivo de trabalho, 28% para cuidar de familiares, 14% por questão de gravidez na adolescência, 18% devido a problemas com transporte. Já em relação a fatores pedagógicos tem-se o percentual de 30% que relatou ter saído da escola porque não conseguiam entender as explicações, o que é consubstanciado na pesquisa de Maria Helena Patto em “A produção do fracasso escolar” quando pontua que a escola cria um imaginário de “aluno ideal” e geralmente afasta o “aluno real”.

Primeiramente, há o impacto da opressão pela classe social, pois trata-se de um grupo de crianças e jovens em situação de maior vulnerabilidade social e que precisam contribuir na renda familiar. Somado a isso, 58% dos jovens que não concluíram o Ensino Médio era masculina e quase 72% de pretos e pardos (PNAD, 2020).

Ora, se um dos grandes problemas elencados é que boa parte dos estudantes para de estudar para trabalhar, é importante um trabalho mais assertivo do Ministério Público, haja vista que ele também deve garantir a permanência do direito à educação e essa ação não deve ser meramente dogmático-normativo, no cumprimento da lei, mas de interlocução com a sociedade na construção de políticas públicas. Deixo um exemplo. Em Poços de Caldas, por ser uma cidade turística, conta com um grande número de hotéis, que contratam jovens, muitas vezes sem carteira assinada e que cumprem um horário de trabalho que excede as 8 horas. Qual a consequência? São jovens que saem tarde do trabalho, ou precisam se ausentar das aulas nos dias de quinta e sexta-feira, que acabam evadindo. Nesse sentido, Ministério Público, lideranças do Executivo das redes de ensino municipal e estadual, juntamente com representantes dessas empresas poderiam se reunir e buscar um alinhamento de modo que o direito a educação não seja cerceado.

Contudo, num país tão marcado pelo desemprego estrutural, há de se considerar que nem sempre os jovens estarão empregados e a depender da situação da família, é importante que seja acompanhada pelo CRAS para o recebimento de programas de transferência de renda, que visam contribuir para que a pobreza não perpetue por gerações, diante da falta da escolaridade. Esse ano inclusive, inicia-se o Programa Pé de Meia, específico para estudantes do Ensino Médio, de modo a incentivar mediante dinheiro depositado em poupança, que continuem na escola.

Outra instância fundamental na defesa da permanência de crianças e adolescentes na escola é o Conselho Tutelar. Entretanto, apresenta o imenso desafio de romper com o imaginário daqueles que o compreendem como instância repressora e punitiva e que buscam afastar da escola alunos que apresentam indisciplina ou transgressões. Nesse sentido, o Conselho Tutelar pode se valer de uma presença maior nos espaços escolares no resguardo do Estatuto da Criança e do Adolescente, para que ambas instituições reelaborem medidas socioeducativas que contribuam para o desenvolvimento do sujeito.

E como a escola pode avançar no direito à permanência? Primeiramente, traçando o diagnóstico de sua comunidade, item fundamental que compõe o Projeto Político Pedagógico. Esse diagnóstico pode ser elaborado através de formulário: quantos alunos trabalham? Quantos precisam cuidar de familiares? Qual a renda familiar? Precisam de transporte público? E tantas outras questões que a equipe de professores juntamente com a supervisão pedagógica podem elaborar. Além disso, pode-se também encaminhar ofícios aos órgãos que atendem a mesma comunidade para se ter dados dessa realidade social: quantidade de jovens encaminhados nos últimos anos por relação com o tráfico, número de jovens grávidas na adolescência, número de alunos atendidos pelo Bolsa Família, etc. etc.

Assim, com base nesse levantamento é possível a escola se repensar, seja em parcerias maiores com o CRAS, encaminhando solicitações de transporte, mudando o currículo, organizando momentos de reforço escolar, incentivando a criação de grêmios e coletivos estudantis de modo a ampliar o debate e a participação na defesa dos Direitos Humanos e sobretudo: apostar no aluno! Que esse estudante perceba que tem apoio, que consiga estabelecer vínculos com as pessoas e com o espaço, pois pessoas que estabelecem vínculos dificilmente se afastam. E, se por acaso não houver a permanência estudantil, reflitamos em que parte houve a falha da sociedade ou do Estado, ao ponto desse abandono não ter sido meramente do sujeito, mas dele ter sido abandonado praticamente a própria sorte.   

Ana Paula Ferreira

Supervisora da rede estadual

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