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domingo, 26 de novembro de 2023

Doce pela metade

 


Comer um doce de alguém pela metade

É forma de intimidade?

Me falaram que sim.

E se companheiro é quem partilha o pão

Então acabo de inventar

Que “condocenheiro” é quem divide o doce.

E continue assim...

A metade de cada um

Para formar um só doce

E um só doce para adoçar

A vida de duas pessoas que queiram (se) dividir.

 

Ana Paula Ferreira

@ana.paula.educacao

Refinar a dor? Não.




 Triste

Como a música Clair de lune de Debussy

Intensa

Com o grito animalesco saindo do fígado

Inteira

Na violência da dor que vinha das entranhas para garganta

 

Não se diluía

Pulou do trampolim na piscina da dor

E sentia

A raiva lhe dando forças para subir a superfície

 

Não estava fragmentada

Ela era uma caldeira vulcânica

De tristeza misturada com ira

Choro combinado com grito

Erupção de lava com toxidade

Que precisava ser liberada

 

Era produto bruto no seu sentir

Não queria ser lapidada

Era alimento integral

Precisava manter a casca

Recusava o refinamento

 

Refinar a dor para quê?

Para quem?

Era seu direito viver plenamente

O grito era sua palavra não verbal

Que saiu da boca

Para arrancar da alma

A ferida que poderia crescer.

 

 

Ana Paula Ferreira

@ana.paula.educacao

 

- EU TÔ AQUI, não estou?

 



- EU TÔ AQUI, não estou?

Quem está integralmente

Não precisa perguntar

Se há dúvida

É porque verdadeiramente não está.

Carinho A – BANDOna -do

Beijo protocolar

Cansaço em casa

Mas a vida pública a chamar

A ausência vai crescendo 

Ao ponto de nada mais ficar

E assim...

O luto vai fazendo morada na alma.


 

Ana Paula Ferreira

@ana.paula.educacao

PARADA, ESTANCADA

 


PARADA

Que nem passageiro num ponto de ônibus.

ESTANCADA

Que nem sangue coagulado.

 

Ela se sentia PARADA

Não seguia

O semáforo estava vermelho

Por horas

Por dias

Por meses

E o tempo trans

corria.

Tudo tinha som

Mas ela era silêncio

Ao redor era tumulto

Porém ela era só um organismo

No entorno barulho

E dentro dela um            a

bis

mo.

 

 

Estava tão ESTANCADA

Que parecia que não tinha pulso

O olhar era opaco

A própria respiração não se ouvia

O músculo não tinha nervos

A pele era apatia.

Outrora era gargalhada

Hoje pela cama se estendia

Antes era samba

Nesse momento melancolia

Era conhecida pelos seus planos

Agora era sala vazia.

 

Ana Paula Ferreira

@ana.paula.educacao

sábado, 18 de novembro de 2023

Ser professor: nem Sísifo nem Nissin Miojo

 


Começo parodiando Simone de Beauvoir “Não nascemos professores. Nos tornamos professores” haja vista que é um movimento contínuo que exige mudança, ressignificação, reflexão, novas práticas. E se é para falar de mudança, é interessante o mito de Sísifo. Diz a história que ele foi um homem muito esperto que conseguiu em vários momentos enganar os deuses, trazendo para si a ira deles. Daí, quando morreu, foi condenado a empurrar uma rocha até o topo da montanha e assim que ela rolasse, ele repetiria o mesmo procedimento pela eternidade, evidenciando que o castigo é a repetição.

Mas o que isso se assemelha ao trabalho docente? Se estamos dando aula praticamente do mesmo jeito que 20 anos atrás, se pretendemos nos relacionar com os nossos estudantes do mesmo modo que 20 anos atrás, estamos escravos de um destino. E o problema é que não houve um deus que fez isso, mas uma autocondenação, que traz esse peso da rocha para costas, deixando a marca do mal humor, da dor, apatia, sem vontade de fazer mais nada a não ser empurrar o ensino até o final do ano e no seguinte fazer a mesma coisa. Ora, e por que isso é um castigo? Porque nos desumaniza, nos retira um dos elementos pelos quais nos diferenciamos dos outros seres vivos que é a criação.

Não há dúvida que na natureza encontramos engenharias perfeitas. A abelha faz a colmeia maravilhosamente bem, a formiga monta andares de formigueiro e a aranha tece a teia com toda uma distribuição uniforme de linhas. Contudo, estão programadas geneticamente a fazerem isso. Nós seres humanos não. Nos lançamos para o futuro no nosso processo criativo e podemos fazer inúmeras façanhas... escrever uma poesia, cantar uma música, preparar um jantar, consertar um chuveiro, cuidar do jardim.

Se estamos nesse lugar de docência, é porque houve uma escolha. E o professor não precisa abrir mão de quem é. Não precisamos nos abandonar. Aliás, a escola pública se faz nessa beleza do encontro com a pluralidade e o professor que também é músico, pode em algumas aulas ensinar com melodias; o professor que gosta de artesanato, pode se valer de em determinadas situações ensinar a preparar jogos pedagógicos e assim por diante. Nisso vamos criando o gosto pelo aprendizado, no encontro com nossa autenticidade e fugindo de um perfil inflexível característico da Síndrome da Gabriela, “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim... Gabriela”.

Criar a potência para aprender é o que caracteriza a alegria crítica. Esse termo é utilizado pelo professor Celso Vasconcelos para enfatizar que a alegria de estar na escola por parte dos alunos não pode se restringir ao horário do recreio. Alegria aqui não é palhaçada, zoação e professor não precisa ser comediante. Alegria é no sentido de energia, de uma aula que motive o aprendizado ao ponto de os estudantes manifestarem a satisfação em realizar uma equação, escrever um bom texto ou conseguir falar em público.

Nesse afeto, diante do vínculo manifesto pelo incentivo de ir além da concretude, é uma das razões também da educação escolar. Na criação desse afeto, criamos condições de nos humanizar em comunhão, característica nossa que não podemos abrir mão, pois embora haja muita informação na internet, ela ainda não substitui a relação professor e aluno. Até porque na internet pode haver o objeto do conhecimento, mas nada ou muito pouco se saberá sobre quem é esse internauta, e, portanto, seu modo de vida, percepções, sensos comuns não serão trazidos como ponto de início na jornada do conhecimento.

Além do papel do professor ser diferente do comediante e da internet, é diferente do apresentador de jornal. Na educação a formação é contínua e o mesmo conteúdo é visto sob vários ângulos e em vários momentos da vida escolar, justamente porque exige sistematização do saber para que haja um aprofundamento sobre aquele objeto do conhecimento. Difere do Jornal Nacional que um dia fala de terremoto na Turquia, no outro sobre guerra na Palestina e no outro sobre a final de um campeonato, mas não exige contextualização, compreensão histórica dos fatos, tudo é rápido e instantâneo para ser digerido, tal como um Nissin Miojo.

Portanto, ser professor difere de uma repetição de Sísifo, mecânica, acrítica, mas também deve fugir da elaboração de macarrão instantâneo, raso, sem nutriente, sem sustança, que trata de forma pontual o que deveria ser sistematicamente digerido. De pouco adianta semanas abarrotadas de palestras, aulas “blitz”, cada uma sobre uma coisa, sem relação com o currículo que está sendo trabalhado ou sem o compromisso com uma realidade social verdadeiramente democrática.  

Afinal, educação deve existir para empoderar os estudantes com conhecimentos que dificilmente viriam em suas casas, verdadeiros legados da humanidade e que temos como princípio democrático torna-los acessível de modo que sirvam como processo humanizatório e de instrumento de luta para uma sociedade justa.

Para isso, devemos lembrar, portanto, que nosso papel é duplo: ter conhecimento sobre nossa área do saber e de ser especialista em gente. Se o marceneiro transforma a madeira em mesa, o pedreiro transforma cimento e tijolos em casa, nosso trabalho é a transformação do aluno na sua melhor versão, física, intelectual, moral, política, social, mediante a nossa arte do encontro, com o estudante e com o saber.  

 

Ana Paula Ferreira

Mestre em Educação

 

Texto publicado no Jornal da Cidade, 17 de novembro de 2023 e também no link abaixo. 

https://www.jornaldacidade1.com.br/ser-professor-nem-sisifo-nem-nissin-miojo-ana-paula-ferreira/

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Indisciplina em três instâncias

            

Imagem retirada no site: https://porvir.org/como-lidar-com-a-indisciplina-e-melhorar-o-clima-escolar/

            Quando se pensa na educação como processo de desenvolvimento humano e direito social é imprescindível levar em consideração o papel do Estado e da família e, não sem razão isso é posto na Constituição Federal de 1988, cada qual desempenhando ações específicas. Portanto, o problema da indisciplina escolar, também não pode ser tratado de maneira isolada, até porque, se há efeitos dela na escola, tal como baixo desempenho ou maiores as chances de evasão, há também consequências sociais da indisciplina na sociedade, como violência no trânsito, descumprimento de leis ou mesmo a dificuldade do sujeito se organizar para cumprimento de seus próprios projetos.

Mas, de que maneira a indisciplina pode ser minimizada? Quais seriam as causas sociais, econômicas e pedagógicas que contribuem para seu crescimento? Avaliando essa articulação entre governo, família e escola, pretende-se sinalizar alguns pontos sobre essas questões.

Em relação ao governo, ele opera com políticas públicas, sejam elas de caráter preventivo ou reparativo, articulando várias pastas ministeriais num entendimento de que problemas complexos exigem respostas também complexas. Assim sendo, é preciso divulgar através das secretarias de comunicação, conceitos importantes, como indisciplina, incivilidade, violência, bullying, de modo que a sociedade se organize para uma cultura da paz. Além disso, as comunidades devem ser providas com aparelhos públicos voltados ao lazer, saúde, saneamento básico, segurança e políticas de distribuição de renda de modo que os estudantes não vejam a figura do professor como uma das únicas imagens de um Estado que se fez ausente e, portanto, sem credibilidade nenhuma.

Dentro ainda do papel do governo, mais diretamente relacionado a escola está a necessidade de diminuição de alunos por turma, afinal, turmas numerosas dificultam a interação de maior vínculo entre professores e alunos, abrindo espaço para a indisciplina e o desgaste das relações.

Na esfera familiar, é salutar que se reveja as relações entre os adultos e os filhos, evitando-se o autoritarismo parental, sem, contudo, cair no extremo da chamada Síndrome do Pequeno Imperador, na qual adolescentes e crianças ditam normas e formas de convivência. Acompanhar, mas deixando que a criança faça; aconselhar, porém, tendo a capacidade de também ouvir; negociar regras e juntamente mostrar o sentido de existirem... isso tudo para fomentar a autonomia do sujeito, sua própria organização, numa postura de compromisso para além do instantaneísmo e superando a perspectiva egocêntrica.

Por fim, e não menos importante, há o papel da escola que pode se valer das reuniões pedagógicas e discutir o assunto da indisciplina sob vários ângulos, sejam eles, antropológicos, históricos, políticos, etc. Nesse sentido, esses encontros podem contribuir na percepção de que a escola do presente não será igual a do passado, que as relações mudam, que é fundamental o respeito à diversidade, pois truculências serão recebidas com desafetos. Além do mais, entender que um bom planejamento das aulas pode minimizar situações de desordem e consequentemente a indisciplina, e daí, a escola conseguirá cumprir seu papel no desenvolvimento dos sujeitos sem abrir mão do acesso aos objetos de conhecimento.

                                                                                      Ana Paula Ferreira - Mestre em Educação 

 

Texto  publicado no Jornal da Cidade 08/11/2023
E também no link: 

https://www.jornaldacidade1.com.br/indisciplina-em-tres-instancias-ana-paula-ferreira