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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Intoxicação

Deitei. Na TV passava os quase 230 mil mortos no Brasil vítimas do Covid-19. Fiquei a pensar que muitos poderiam estar vivos se estivessem seguido as orientações dos cientistas e não da pessoa que atualmente ocupa o cargo de presidente.

Desliguei o aparelho. Estava cansada. Aliás estou cansada desde segunda e hoje é quinta. Uma vontade de ficar deitada de sumir por entre os lençóis. Tosse seca, cansaço sem fim, dor nas costas, desconforto em respirar...

Achei que estava com Corona vírus. Quis fazer o teste pra me tranquilizar com ideia de não ter passado pra ninguém, meu grupo pequeno familiar. Deu negativo. Pensei que ficaria bem, mas não estou, pois fiquei no vazio e é ruim essa situação de não ter paradeiros.

Se não é o Covid, o que é? Ansiedade?

Engraçado porque antes de eu ir a farmácia duas amigas estimáveis tentaram me convencer da importância de eu tomar um ansiolítico. Lembrei que as vezes ao retirar algum defeito de nós mesmos poderíamos desabar o prédio inteiro. Daí vieram os vários argumentos favoráveis a droga que não cabe eu citar.

No mesmo instante passou pela cabeça o cenário de Admirável Mundo Novo e o soma... soma... presente em nosso meio em diversas embalagens e formas pra que o ser humano dê conta de tudo e sempre feliz.

Sim... Acho que estou com essa sensação de que por mais que tente fazer as coisas bem, me escapa pela garganta o grito que ficou entalado e reprimido. Depois de anos de educação cristã segue o sentimento de culpa. Não estou confortável a ficar entre as pessoas... fico com receio de ainda ter algo que possa ser transmitido. Será medo de transmitir meu mau humor? Talvez seja, afinal, queremos que as pessoas acreditem nas imagens que montamos.

Por falar em imagem, estou vendo uma imagem bizarra nesse momento. A camiseta pendurada na maçaneta vertical do guarda roupa parece uma gárgula olhando pra mim. Nariz arrebitado, olhos profundos, uma capa sobre a face sugerindo um inquisidor que espera a vítima pacientemente por qualquer mínimo vacilo. Suas garras estão prontas pra voar e pegar o malfeitor, tais quais os ataques cibernéticos daqueles que pedem volta às aulas presenciais em plena pandemia tratando educador como vilão.

Minha cachorrinha chora do lado de fora... Ela só se comporta assim quando há fogos de artifício. Nessa noite não tem. Bem ao fundo tem o barulho da patrulha do bairro daqueles que pagam pra sentir que estão mais seguros. Eu, enquanto cidadã, também pago pela segurança... pela segurança pública. Porém, no dia da carreata #ForaBolsonaro com mais de 150 veículos, não tivemos o policiamento apesar da solicitação via ofício. No decorrer do trajeto vi vários guardas de trânsito parados nas esquinas e estiquei meu corpo pela janela do passageiro para pedir que ajudassem na organização. Final da história: a contribuição deles foi uma multa que chegou hoje de que eu estava sem cinto de segurança.

Cidadãos que pagam na tributação indireta proporcionalmente menos do que eu, mas que ocupam cargos de médicos, pais de alunos de escolas particulares, também fizeram carreata “volta às aulas” nessa semana. E tiveram policiamento. Não escuto vozes pedindo a resolução de problemas que a escola pública já tinha antes da pandemia: salas superlotadas, torneiras quebradas, ausência de insumos, poucos funcionários. Mas há frases de que o professor é preguiçoso, quando na verdade não parou de trabalhar.

Se a noite está tranquila por que a Laika pede atenção? Em que medida um cão não fareja a morte? Será que não sente de certa maneira os órgãos de seus donos apodrecerem? Ou está sentindo alguma coisa no mundo a morrer a cada minuto?

Devaneios. Ilusões. Pensamentos aleatórios de quem não está sob efeito de droga, mas está intoxicada com essa sociedade.

Ana Paula Ferreira


                                                        O Grito - Edvard Munch 

2 comentários:

  1. Querida Ana,

    Leio seu relato com um aperto no peito! Conheço você a tanto tempo! Sua dedicação com tudo que se propõe a fazer! O cuidado que tem com as pessoas a sua volta, sejam seus afetos ou não e me dói ver seu sofrimento!
    Minha querida, as vezes ficamos cansadas! Cansadas de lutar e não obter o resultado que esperamos, porque o mundo tem o tempo dele de mudar, e por vezes mudamos mais rápido que ele...
    Respeite seu corpo! Ele te pede repouso, para que diminua a marcha, para que olhe para ele!
    Deixe as grande batalhas por hora, e cuide do seu próprio universo. Não é um comando o que faço, é uma sugestão, de quem sabe o quanto você luta por todo mundo e dedica o que pode e o que não pode também!
    Olho para você e penso nos que vieram antes de nós, que lutaram antes de nós, talvez também tenha passado pelas dores que você está passando, fizeram uma pausa para respirar e depois continuaram a jornada para que possamos agora gozar dos benefícios de sua luta. Concluo que se você parar para respirar não vai impedir que alcance todos os seus sonhos e objetivos, só vai te dar fôlego novo para continuar a jornada!
    Sobre aqueles que preferem não ver os problemas pelos quais estamos passando e rogam por direitos, que de fato não são direitos, são pura falta de juízo, o fim dessa história já conhecemos, e mais cedo ou mais tarde a realidade vai se revelar diante deles dura como ela é, e não terá como fingir que não entendeu...
    Tenha paciência, se cuide, que o que não está em seu alcance mudar, mudará por si mesmo!

    Fique bem!

    Abraço fraterno!

    Karol Rebecka

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  2. Sentimentos que compartilhamos em nosso cotidiano 🤔

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