Quando
penso nesse título, penso no que ele significa para mim, sobre quais utopias
desejo para as mulheres e sob qual democracia. Aliás, é interessante também
observar a palavra “pela”, sugerindo algo inconcluso, que ainda está no
horizonte, afinal se não vivemos numa ditadura, tampouco a democracia está
consolidada. No meu imaginário a democracia real funcionária com um Executivo
que promovesse políticas públicas emancipadoras, um Legislativo com um olhar
atento às demandas do povo, um Judiciário que fizesse seu papel, sem fazer
julgamento pautado na cor da pele, na roupa, ou gênero. Uma democracia que mobilizasse
uma participação cada vez maior da sociedade civil organizada, na qual os bens
sociais não fossem tratados como “favores”, mas como direitos e, portanto, públicos
e de qualidade, em que o cidadão se sentisse protegido e confiasse no Estado
como instância promotora de justiça social.
Para alcançar uma democracia cada
vez maior é necessário ser feminista, pois como já dizia bell hooks, “O
feminismo é para todo mundo”. De acordo com a autora há dois tipos principais
de compreensão do feminismo, o reformista e o revolucionário. O primeiro
pretende avanço de pautas importantes, porém não questiona o sistema
capitalista e se fôssemos resumir, poderíamos usar as três palavras de ordem da
Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade.
A
igualdade se daria, por exemplo, na equiparação salarial entre homens e
mulheres, na divisão das tarefas domésticas e no cuidado com os filhos. A ideia
de liberdade está difundida nos discursos de estar com quem quiser, com a
vestimenta que achar adequada, ocupar a profissão de interesse, ter o direito
assegurado do aborto. Já a fraternidade para o movimento feminista foi
readequada para sororidade, porém, bell hooks questiona se há sororidade de
fato, enquanto mulheres brancas de poder se projetam profissionalmente e deixam
os afazeres domésticos geralmente para uma mulher negra, sob opressão de classe
e de raça.
Daí
a importância de um feminismo que não questione apenas a injustiça de gênero,
mas que busque acabar com o racismo, o elitismo e o imperialismo, num mundo no
qual homens e mulheres interajam sem dominação. Esse é o feminismo
revolucionário, que leva em conta as pautas do feminismo reformista, mas
percebe ao mesmo tempo suas limitações.
Aliás,
estamos vivenciando essas limitações de forma contínua, pois conquistas
asseguradas em outros períodos são desafiadas na atual conjuntura. O aborto que
é previsto em lei desde 1940 em casos de abuso sexual, foi duramente
questionado em pleno ano de 2020, tornando a vida de uma menina de 10 anos,
grávida do tio, um suplício ainda maior. Uma jovem denunciou um caso de estupro
e foi humilhada pelo advogado do réu, num julgamento que abre precedentes para
a contínua violência sexual. Embora legalmente haja um decreto de 2016 que
regulamenta o uso do nome social, a ministra da Família, Mulher e Direitos
Humanos discursa num formato binário, transfóbico e com uma visão míope sobre
identidade e orientação sexual. Em 2015, sob gestão do PT, a política de
enfrentamento à violência contra mulher deu um salto com a inauguração das
Casas da Mulher Brasileira, que é um espaço de acolhimento às vítimas de agressão
doméstica, entretanto, infelizmente em 2019, o presidente Bolsonaro publicou um
decreto que desresponsabiliza o governo federal na manutenção desses espaços.
O
que isso significa para nós? Que a luta é contínua, enquanto as desigualdades
não forem superadas, principalmente as pautadas no tripé classe, raça e gênero.
Caso contrário, todos os avanços, correm o risco de sucumbir, pois serão
propostas de governo e não uma política de Estado.
Por
isso, em se tratando de segurança pública, dentro de uma perspectiva de um
feminismo revolucionário, não há apenas a resistência para não sermos agredidas
por nossos companheiros. Luta-se também por um sistema penitenciário que
possibilite uma reeducação e humanização da população carcerária. Não se defende
somente sermos médicas, advogadas, gerentes ou qualquer outra profissão que nos
atraía. Defende-se que meninas e meninos tenham uma educação pública de
qualidade e fácil acesso ao Ensino Superior se assim desejarem. Vai além da
mulher ter remuneração equiparável ao homem, pois acredita-se que com a
distribuição das riquezas seja possível que todos tenham um salário digno e
numa jornada de trabalho reduzida que lhes possibilite conviver com a família,
os amigos, ter tempo para o lazer, cultura e esporte. Levanta a bandeira de
pautas que nos são específicas, mas sem perder o foco das questões de grande
envergadura, que também nos são caras porque indiretamente ou diretamente
também nos impactam no dia a dia.
Sabendo
do que quero, posso pensar quais caminhos tomar e quais atalhos evitar. Se a
utopia está distante, que eu me lembre que mulher e democracia são palavras de
ação. Não se fez história da humanidade sem o protagonismo da mulher e menos
ainda se faz democracia sem que nós sejamos também autoras.
Ana Paula Ferreira
Integrante do movimento feminista
“Mulheres pela Democracia”
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