Paulo Freire, um dos grande educadores brasileiros, salientava a importância da leitura de mundo e até hoje sua voz ecoa para nos fazer lembrar que não basta a leitura da palavra.
Quando os
alunos saem da sala e partem para o mundo eles leem os sinais de trânsito, as
fisionomias das pessoas, o comércio, os problemas ambientais e sociais e tudo
quanto o mediador, que é o professor, orientar a ver. O que era despercebido
por um transeunte comum que passa pelas ruas sem notá-las ganha outro apreço
por aqueles que começam a se sensibilizar com o que antes era banal.
Por fim, mesmo que o professor não direcione,
os próprios estudantes começarão a enxergar um bueiro entupido, uma rua
esburacada, um terreno baldio invadido pelo lixo, a falta de médicos num posto de saúde e passarão a refletir sobre o seu papel no mundo diante de várias questões: O
que acontece diante desses problemas? A quem atrapalha? Como se pode evitar?
Quem são os responsáveis pela conservação e fiscalização? Como se pode acionar
para que cumpram essa responsabilidade?
Ao iniciar o
aprendizado de leitura e escrita o aluno inicialmente vê o que é mais comum e
numa palavra tal qual BEXIGA, a Beatriz enxergará o BE, a Isabela o I e a
Gabriela o GA. Assim ocorre na nossa visão de mundo: estamos presos no
corriqueiro e precisamos dos desafios e da ousadia para alargar nossa
perspectiva. Daí a importância da leitura.
Lemos para interpretar,
compreender, contribuir na formação de nossa consciência e de criticidade. Ler
o mundo é uma prática que tal qual a alfabetização deve ser um processo
ensinado, no qual se possibilita a reflexão do chão onde se pisa, valora a luta
dos seus e ao mesmo tempo compreende as denúncias e discordâncias que devem ser
feitas.
É um caminhar porque
leitura de mundo não pode ser imposta, não se aprende por mera absorção. Faz-se
no dia a dia com criação de possibilidades que levem ao questionamento,
recordando sempre que a escola está no mundo e o aprender deve servir para
alterar o convencional, superar preconceitos, medos, mazelas e as ignorâncias
de toda ordem.
Alterar o convencional
pode iniciar-se com sair da sala de aula, lembrar que o conhecimento está em
toda parte, sentir-se no mundo e responsável por ele. Diferente do ensino da
leitura da palavra que encerra quando o aluno domina a escrita ortográfica, a
leitura de mundo é contínua e continuamente somos atravessados por ela, não
somente crianças, mas nós também adultos. Uma professora, inicialmente resistente
em fazer uma visita à biblioteca do bairro, teve sua leitura de mundo alterada
quando diz que adorou essa aula passeio. Percebeu o quanto a comunidade
recebia com bons olhos essa atitude da escola e o quanto os alunos
corresponderam a esse olhar positivo que foi lançado sobre eles.
O incentivo deixa de
ser somente o gosto pela leitura, mas envolve a questão da perspectiva: como
ajo no meu bairro? Como devo me portar num ambiente de biblioteca ou nas ruas?
Envolve também a questão sócio-política ao se buscar refletir sobre os
aparelhos públicos presentes, ausentes ou subutilizados e procurar enquanto
sujeito fazer parte desses equipamentos.
Que continuemos com a
leitura de mundo, escola dialogando com a sociedade e que avancemos para uma
escrita que se faça enquanto enfrentamento ideológico. Da leitura para escrita,
do interpretar o mundo para o agir no mundo.
Ana Paula Ferreira
18/04/2016
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