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domingo, 25 de maio de 2025

Educação como direito social

     

 
Imagem: https://veja.abril.com.br/educacao/?utm_campaing=lg_2024


        Quando pensamos em direitos sociais, lembramos o que está previsto na Constituição Federal: direito ao trabalho, à habitação, à saúde, à previdência social, à assistência social, à educação. 

    O problema é que embora previstos em lei, eles ficam capengas diante das investidas do neoliberalismo. Portanto, cabe uma breve retrospectiva sobre esse conceito, até para mostrar os impactos dessa corrente de ideias na educação. O neoliberalismo é uma releitura do liberalismo clássico do século XVII que em linhas gerais defende que o mercado deve se autorregular sem a intervenção do Estado. Importante deixar claro que a liberdade era da burguesia perante o poderio das nobrezas e dos Estados Absolutistas, pois em nenhum momento foi questionada a escravidão, a catequização forçada de indígenas ou a sentença de milhares de mulheres em fogueira. 

     O liberalismo segue até início do século XX com as violências nos países de economia periférica e lucro e riqueza nos países de economia central. Contudo, diante da quebra na bolsa de valores e das consequências das duas guerras mundiais fazem os economistas solicitarem a participação do Estado na reconstrução das crises, surgindo os Welfore State. Concomitantemente, acontece a Revolução Russa que abre espaço para países de economia socialista, servindo portanto, como um contraponto ao avanço do capitalismo. 

 A questão é que na década de 1980, o socialismo passa a perder força e aí que o neoliberalismo se projeta, principalmente em 1989 com o Consenso de Washington que busca regular a economia dos países de 3º Mundo, mediante algumas medidas, dentre as quais se destaca: 1) Redução da participação do poder público na economia, com forte apelo para as privatizações e ao Estado Mínimo; 2) Reforma tributária, onde se diminui impostos para empresas e ao mesmo tempo aprovam-se leis para limitar o gasto com a coisa pública; 3) Desregulamentação das leis trabalhistas, sob justificativas que há muitos custos do empregador para com o trabalhador. 

 No Brasil, em se tratando das privatizações, ocorreram sobretudo no período Fernando Henrique Cardoso e foram denominadas como Privataria, numa alusão a pirataria. Isso porque as empresas estatais foram vendidas para o capital externo e por um valor irrisório em relação ao valor de mercado. Anos mais tarde, com o rompimento da barragem de Brumadinho e o prejuízo social e ambiental, reforça a reflexão sobre os efeitos do neoliberalismo sobre a natureza e a sociedade. 

 No que tange a Reforma Tributária, vivenciamos casos de jogadores milionários e empresas locadoras de carros em Minas Gerais que tiveram isenção de impostos. Em 2016, sob o governo de Michel Temer, aprovou-se a PEC do Teto dos gastos, que define que por 20 anos a nação fica limitada a investir em direitos sociais. Já em relação a desregulamentação das leis trabalhistas, exemplos recentes foram a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. 

 Qual o efeito principal dessas medidas? A educação deixa de ser compreendida como direito social e vira mercadoria. Para ilustrar, retomo esses três pontos citados: Estado mínimo, mudança tributária e desregulamentação trabalhista. 

 O termo Estado Mínimo é usualmente utilizado para se referir no afastamento do compromisso do Estado com os direitos constitucionais, pois cada direito é capturado pelo neoliberalismo para ser um produto de venda. Por outro lado, quando se trata do uso da força policial, de truculência sobre as comunidades periféricas, o Estado se mostra potente. Num comparativo com a escola pública, vê-se a mesma situação: o Estado neoliberal se ausenta no investimento ou sucateia o currículo de modo que a educação pública perca cada vez mais o brio e a escola privada se torne um produto de desejo e; paralelamente, o Estado tem mão pesada quando se trata de excesso de avaliação externa, cobrança, diminuição cada vez mais acentuada do grau de autonomia da escola pública. 

 Se uma das medidas neoliberais é uma organização tributária favorável aos donos do capital de modo a isentá-los, o efeito perverso disso para educação é diminuição de investimentos diante da retraída coleta de impostos. E para toda crise, é preciso criar inimigos imaginários, então culpabiliza-se o número de funcionários públicos, professores são descredibilizados como “doutrinadores” e enquanto isso, o valor do piso não é pago, há um excesso de sobrecarga trabalhista e profissionais exauridos, numa vivência ininterrupta da sociedade do cansaço. 

 Qual a lógica disso? Por que formar mão de obra desqualificada? Simplesmente porque o entendimento não é educação para humanização, para o pleno desenvolvimento do sujeito e de sua potencialidade, mas para servir o mercado. Se não temos tanta indústria, não há necessidade de formação técnica. Se boa parte das pessoas têm sua renda derivada dos trabalhos informais, também não é necessário conhecimento científico. Tudo vira pragmático: vai ter uso? Vamos ensinar. Não vai? Melhor descartar. 

 Para que a educação seja um direito a todos como processo de distribuição do saber do que a humanidade produziu ao longo da história são necessárias estratégias econômicas e pedagógicas. Em se tratando do primeiro bloco, basta ir na direção contrária do neoliberalismo. Nesse sentido, é importante um Estado presente nos seus deveres constitucionais: defesa do SUS, transporte público de qualidade, segurança pública ao invés de uma população armada, mais concursos públicos, etc. No campo da educação, os Institutos Federais são exemplos de ótimo desempenho escolar entre os alunos do Ensino Médio e que exemplificam o quanto um bom investimento faz a diferença. 

 Na Reforma Tributária a ideia é taxar altas fortunas, captando recursos para os investimentos sociais e ao mesmo tempo, distribuindo mais a riqueza na nação. Por fim, em relação aos trabalhadores, rever a jornada 6x1, para que inclusive tenhamos mais famílias com mais tempo de descanso e mais possibilidade de acompanhar os estudos dos filhos. Além disso, pagar um salário honroso aos professores de modo que possam se dedicar a apenas uma escola, com tempo de planejamento, de estudo. 

 Sobre o caminho pedagógico, fazemos escolhas. Podemos escolher entre conservar a sociedade desigual, e, portanto, naturalizar o baixo rendimento do aluno como “preguiça, falta de compromisso”. Ou podemos repensar nossas aulas para que permitam que o aluno saia do senso comum e alcance o conhecimento filosófico, técnico, social, político e assim seja capaz de agir conscientemente na sociedade. 

 Não é tratar o aluno como coitadinho social, nem ofertar apenas o mínimo. Fazer isso é seguir a bula neoliberal. Se nos caracterizamos como homo sapiens, homo ludens, seres políticos, sociais, tudo isso se deve ao processo educativo mediado pela cultura e pela linguagem. Sem a educação a sociedade vira barbárie, sem educação a ciência fica estagnada, sem educação definhamos as próximas gerações em si mesmas e acabamos com projeto humanizatório. Por isso, a luta por uma educação que seja direito social é uma luta contra o neoliberalismo.


Ana Paula Ferreira

Escritora do livro "Resistência: reflexões sobre feminismo, sociedade e educação"

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