E como pode ocorrer de maneira tão velada?
Trago aqui 3 pontos importantes da manipulação: a falta de transparência, o
controle e a vitimização. A fim de ilustrar cada um deles eu uso o filme
“Gaslight” que aliás, inspirou a ideia de abuso psicológico, diante da
distorção da realidade. Resumidamente a história se passa numa casa na qual a
esposa percebe que luz estava falhando e o marido, passa a questionar a
sanidade mental da mulher, sendo que na verdade ele sabia que isso ocorria e
que ele mesmo quem provocava.
Essa é uma das características principais
da manipulação: falta de transparência. Tudo fica às escuras, sem luz
suficiente e, portanto, não se consegue tatear a realidade com precisão. A
informação vem do manipulador, ao ponto de a vítima passar a duvidar do que
viu, da sua própria memória, como se tudo não passasse de coisas da sua cabeça.
Nesse jogo de enganação, o marido galanteia a funcionária, convida-lhe para
outros espaços sem ser o do trabalho, elogia, passa tempo fechado sozinho com
ela na sala. Enquanto isso, faz juras à esposa que se preocupa com a saúde
dela, quando na verdade a real intenção é deixa-la insegura, incapaz de tomar
as próprias decisões. Tal qual a lâmpada que ora ilumina, ora cede à escuridão,
o manipulador seduz, joga charme, é gentil, prestativo, pois precisa de pessoas
que cedam à sua vontade. Ao mesmo tempo, faz cortina de fumaça para ludibriar,
mente e engana, tanto a esposa quanto com a funcionária, pois seu objeto final
era o poder, e por isso a necessidade de uma imagem imaculada, de homem
distinto, perfeito.
Ora, se o objeto é o poder, precisava do
outro ponto da manipulação... o controle. No filme a vida da mulher é
milimetricamente calculada, reduzindo sua rede de apoio para facilitar a
opressão. O manipulador evita que a casa seja frequentada por amigos, maldiz
cada um deles como se não fossem boas companhias, evita de sair publicamente
com a companheira e quando saem, ele quem decide os lugares, persuadindo que
ela participou da decisão. Controla a correspondência, as visitas, os passeios,
pois ao isolá-la, lhe fragiliza ao ponto de sentir dependente emocional do
manipulador.
Por fim, o abuso psicológico ocorre também
pela vitimização do algoz. Sim. Apesar de enganar, ele irá distorcer em tamanha
proporção e sob toda uma dramatização ao ponto de a vítima pedir desculpas,
considerando-se de fato egoísta ou paranoica. Essa terceirização da
responsabilidade é atrelada ao perfil do manipulador que geralmente não
manifesta empatia, tem pouco apreço pela dor alheia, nem se comove com o
sofrimento da própria companheira.
As consequências disso na vida da vítima
são várias. Por tender a acreditar que está perdendo a habilidade mental, omite
o que acontece para os mais próximos, com receio de estar sendo injusta com o
parceiro. Fica tão vulnerabilizada emocionalmente que perde a essência, deixa
de fazer coisas que gosta, de criar planos, sofre de insônia, sentimento de
inferiorização, irritabilidade, dependência emocional e baixa autoestima.
Diante disso, o gaslight é uma violência
grande, no qual o manipula-dor, brinca com os sentimentos alheios, como se
estivesse brincando com lego, em que cada peça só lhe interessa na construção
de seus projetos, afinal não tem responsabilidade afetiva com aqueles ou
aquelas que lhe depositaram confiança. Que entendamos para não repetir esse
papel e muito menos em minimizar o sofrimento de quem já passou por essa
manipulação.
Ana Paula Ferreira
Militante do
Coletivo Feminista Mulheres Pela Democracia
É SEMPRE BOM LER SEUS TEXTOS. REALMENTE DESCONHECER OU SIMPLESMENTE NÃO TER EMPATIA É ISTO QUE OCORRE. O SER É MESQUINHO E INDIVIDUALISTA ...
ResponderExcluirSim... ausência total de empatia. Até porque para revelar a verdade é necessário coragem, e o manipulador não quer lidar com isso.
ExcluirExcelente e preocupante reflexão!! essa anulação da companheira é cultural principalmente em familias religiosas, através de regras e ameaças. Na maioria dos igrejas de denominação evangélica esse ato de anular é sugerido pelos próprios líderes... desde os primórdios, através do séculos, o medo da mulher livre e independente toma conta dos pensamentos mais íntimos de todos os homens... Infelizmente, acabamos por praticarmos um ou outro desses boicotes.
ResponderExcluirO pior é que é tão cultural que pode ocorrer em família religiosas e não religiosas, famílias que votam na direita e na esquerda, em todas as famílias... por isso a importância de pensarmos nesses sintomas para combater.
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