Eu aprendi o que era
“sororidade” antes de conhecer a palavra.
Minha mãe tem duas irmãs
a tia Lúcia e tia Tininha. As três sempre se ajudaram e não compunham apenas
fotos de batizado, festa de aniversário ou casamento. Fortaleciam-se apesar das
adversidades, as quais não foram poucas. Independente se o problema era doença,
divórcio, alcoolismo na família ou qualquer outra situação que trouxesse certa
instabilidade emocional, elas estavam juntas, se acolhendo, conversando,
organizando o que fariam. Se houvesse choro, havia ombro; se houvesse raiva,
havia escuta; se houvesse carência, haveria mão estendida.
Elas não competiam entre
si. Acolhiam-se. Nem sempre foi mar de rosas, mas diante de qualquer
eventualidade estariam próximas, num sentimento de empatia, cooperação,
incentivo, justamente porque juntas eram mais fortes. Essa foi a sororidade que
conheci e nisso que me baseei acreditando nessa cumplicidade feminina, porque
independente das feridas sociais ou dos machucados machistas, elas traziam a
cura.
Por isso que tive
resistência em entender a Simone Beauvoir quando ela escreveu que embora as
mulheres sejam mais de 50% da população, a desigualdade de gênero se mantinha,
em boa parte em razão da desunião das mulheres. A filósofa justificou que
culturalmente fomos ensinadas a nos preocupar mais com os projetos dos maridos,
irmãos, pais, do que com os planos ou fortalecimento de nós mesmas ou de outras
mulheres. Não é sem razão que a obra clássica de Beauvoir recebe o nome de
“Segundo Sexo”, compreendendo que a mulher fica em segundo plano, colonizadas a
tal ponto que julgam que a referência de ser humano é o homem.
Quais as consequências
disso? Diante do não reconhecimento feminino como grupo socialmente mais
vulnerável e da não sensibilização com outras mulheres, mantém-se as relações
assimétricas de poder. Nessa lógica, ao invés da empatia, julgarão a vítima de
violência sexual pela roupa que usava; ao invés de divulgação dos trabalhos e
obras feitas por mulheres, buscarão o seu apagamento. Mulheres que só votam em homens, que leem
homens, que se consultam com homens, que educam os meninos para serem reizinhos
e que não respeitam o relacionamento alheio...
E nesse sentido, as mulheres podem sim, infelizmente, serem machistas,
ou entrarem num ritmo de competição com as demais, as famosas pick me girl.
Afim de mudar aos poucos
esse cenário de desigualdade podemos pensar em ações cotidianas. É ano de
eleição e, uma possibilidade é acompanhar possíveis candidatas que nos
representem. Socialmente existe a feminização da pobreza, haja vista que boa
parte da população pobre é composta por mulheres. Que possamos divulgar e
incentivar o trabalho desenvolvido por mulheres. Temos diversas obras
excelentes feitas por mulheres. Que possamos ler mais escritoras, assistir mais
filmes de diretoras, acompanhar atrizes, influenciadoras que realmente repensem
a sociedade patriarcal. Num mundo já tão cheio do pacto da masculinidade, em
que homens pagam fianças de abusador ou aplaudem os violentos e manipuladores,
que nos cerquemos de mulheres que motivem umas outras, e assim haja mais Anas,
Lúcias e Tininhas espalhadas pelo mundo para nos fortalecermos.
Se não mudarmos essa
lógica, repetiremos o que Paulo Freire já falava de que o sonho do oprimido é
se tornar o opressor e, portanto, na ausência desse reconhecimento de opressão,
agirão como “capitãs do mato”, colocando na fogueira simbólica outras mulheres,
buscando algum favoritismo, mas sem se perceberem ainda na figura do “segundo
sexo”.
Ana
Paula Ferreira
Militante
do Coletivo Mulheres Pela Democracia
Texto publicado no Jornal da Cidade 22/03/2024