Quando
não temos meios de comunicação, nossa voz fica abafada. Isso é bem mostrado no
documentário de curta duração “Levante sua voz”, que questiona a concentração da
imprensa tradicional no Brasil nas mãos de poucas famílias. Nesse sentido, reforça-se a história oficial,
a qual enaltece a figura e feitos dos donos do poder. Concomitantemente, a
história dos trabalhadores, dos indígenas, quilombolas e todas as minorias
sociais é marginalizada, ou pior, contada sob o viés do colonizador, do
opressor, daquele que diminuí discursivamente o outro com vistas a justificar a
violência e a exploração. Por isso, o esquecimento de nossas raízes ou a
reprodução de uma história que nos subjuga, que nos retira de cena do
protagonismo é uma das causas cruéis de não conseguirmos potencializar nossa
voz, e somado a ausência de instrumentos de comunicação, limita-se não somente
a comunicação, mas a participação na disputa de narrativas em relação a um
projeto de sociedade.
Sem
memória, tampouco valorizamos nosso território. Festeja-se o Halloween, mas não
se lembra a data de comemoração do nosso folclore. Papai Noel continua sendo
apresentado com roupas de frio intenso em chaminés, num país tropical que não
precisa de lareiras. Músicas caipiras são preteridas socialmente comparadas com
o country, a língua estrangeira ensinada nas escolas é o Inglês, embora
estejamos na América do Sul e os países vizinhos falem o espanhol...
Enfim...São muitos exemplos que nos desterritorializam e assim, perdemos as
chaves de nosso espaço. Sem entrada nessa casa, ficamos na calçada, num
complexo de vira-lata, acreditando que pertencemos a cultura do “jeitinho
brasileiro”, sem percebermos o quão violento é esse pensamento sobre nós, que
nos coloca como desonestos, camuflando a corrupção das grandes corporações que
saqueiam nossa terra.
Por outro lado, a lacuna de nossa própria
história e a falta de pertencimento não são superadas dependendo da nossa visão
de mundo. Nesse sentido, é claro, que só os óculos por si só, não trariam a
nitidez da imagem social, econômica e política-cultural. Se assim fosse,
bastava que achássemos os óculos de sol encontrados pelo personagem do filme
“Eles vivem”, o qual passa a enxergar os impactos da sociedade de consumo, o
autoritarismo e as diversas mazelas do capitalismo.
Ampliar
a perspectiva exige estudo, leitura, reflexão e coragem. Sim! Coragem! Porque
psicologicamente também tendemos a trair nossa memória e selecionar eventos que
nos trouxeram felicidade. Para tanto, precisamos da coragem para encarar nossos
medos e criar repertório emocional suficiente para lidar com esse sentimento de
modo que não se torne repetição, pela inoperância em se quebrar ciclos. O mesmo
ocorre na vida em sociedade. Não adianta negar ou menosprezar os efeitos das
guerras, ditaduras, invasões, colonizações sob o pretexto de já passou e que
não importa mais. Necessita-se da coragem para rever essa história e optar por
não a reproduzir.
Óculos
são figurativos para representar nossa preocupação em ver melhor e para alargar
nossa percepção sobre nós, os outros e espaços onde apenas nossa retina não
daria conta. Conseguimos nos antecipar a um possível percurso ainda não
percorrido, quando o conhecemos por vídeo, documentos, mapas e várias produções
humanas, legados que foram deixados, treinando nosso olhar, para que ao
encararmos de fato o caminho em si, ele se torne menos pedregoso, com
possibilidade de mais pessoas percorrê-lo, imaginando inclusive o que pode vir
a frente.
Por isso, não esquecer é uma condição para a manutenção de nossa humanidade. Mas, daí fica a pergunta: celular, chaves e óculos para qual tipo de memória e para construção de qual história?
Ana Paula Ferreira
Educadora e escritora
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