Começo com uma pergunta: será que nós professores, profissionais que dominam determinada área do conhecimento, estamos em alguma medida distantes de nossa própria profissão? Uso como referência de reflexão um trecho do livro “O capital para educadores” de Vitor Paro, que resumo aqui. Imaginemos um bolo e que hipoteticamente pode ser preparado tanto em casa, quanto numa fábrica, havendo os mesmos instrumentos de trabalho (batedeira, fogão, assadeira), mesma matéria-prima (ovo, farinha, leite). Porém, em casa, o bolo é uma realização, uma extensão do sujeito, e na fábrica, como a motivação não é o bolo e sim o salário, esse mesmo trabalhador está apartado de seu produto.
Caso nossa maior motivação seja a salarial, ou a
segurança no serviço público ou qualquer outro motivo alheio ao ato de ensinar,
não nos reconhecemos de fato na ação docente. Se não nos identificamos com
nossa aula, se ela é um produto já elaborado por outras instâncias, a aula vira
o bolo de fábrica e não nos reconhecemos nesse produto. Um dos problemas é que
não somente nos apartarmos de nossa importância social como também não nos
reconhecermos na profissão.
Uma
amostra sobre essa relação com a profissão eu tive recentemente. Eu fiquei mais
de 4 anos sem redes sociais. Para minha surpresa, quando retomei, observei que
os colegas muitas vezes não se colocavam como professores, mas como vendedores
de Tupperware, massagistas, músicos em banda de rock, produtores de cerveja,
etc. Cabe frisar que não tem problema nossa identificação com outras áreas ou
com passatempo que marquem nossa subjetividade. Aliás, é até compreensível,
diante de governos que não pagam o piso e que empurram os profissionais da
educação a assumirem outros meios de vida.
Mas
o que mais me impressiona é o fato do não reconhecimento com a profissão. Se a
rede social é como se pretende ser visto, por que esse apagamento da imagem de
professor? Nesse apagamento, mostramos que nem nós mesmos estamos aptos a
valorizar o que somos, o que fazemos e depois questionamos a reduzida valorização
social. Nesse apagamento nos distanciamos da luta trabalhista, não nos
identificamos com os nossos pares, menosprezamos a greve ou qualquer luta pelos
nossos direitos, afinal, estamos afastados da ideia de quem somos e de um
compromisso perante o mundo.
Em
cima dessa dificuldade em assumir a identificação de docente ou de paixão pela
área lecionada, para apenas ser um cumpridor de aulas, reforça-se essa mesma
proposta entre os estudantes. Isso porque quando se deixa de encantar com as
palavras, quando se perde a capacidade de atrair olhares para o objeto de
estudo, viramos meros burocratas da educação e negociamos com os estudantes que
a principal tarefa não é aprender, mas sim adquirir nota.
A nota é o salário do estudante no final do
bimestre e nem sempre é sua identificação com o conhecimento, pois nem sempre
se percebe como produtor de saber, de arte, de linguagem, de raciocínio. Se
nosso discurso enfatiza que o estudante precisa “passar de ano” e deixamos de
valorar que o saber é um instrumento poderoso contra as injustiças; se
justificamos que o estudante precisa de bom desempenho para que a família não
seja chamada na escola, em vez de enfatizar que o saber é liberdade, é
autonomia, estamos aos poucos plantando a semente de uma postura dependente,
subalterna, acrítica.
Desobscurecer nossa visão é algo contínuo, na qual
o saber deve ser usado para nossa própria libertação enquanto sujeitos. Até
porque, se buscamos seduzir a atenção de que o conhecimento é bom, ele também
precisa ser bom para nós e perpassa mostrar disposição em ensinar e também em
aprender. Lembrando inclusive que, a ausência de felicidade no salário do final
do mês, não deixa de ser uma bandeira de resistência, entretanto não é por isso
que vamos permitir a tristeza e a desesperança invadirem nossa aula ou nossa
profissão.
Nossa profissão é ponte entre o aluno e o
conhecimento e não podemos abrir mão de valorizar esse processo de humanização
do qual somos parte fundamental. Na alegria de nos renovar com o aprendizado e
na esperança em perceber olhos mais curiosos para o novo, vamos construindo a
plenitude da autoafirmação profissional em comunhão com aulas que potencializem
a criação, o amor ao saber e a liberdade em ser mais do que uma nota.
Ana Paula Ferreira
Texto publicado no Jornal da Cidade 05/12/2023
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