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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Serpenteando semelhanças

 



Cobras são excepcionais
Existem as medrosas,
que somem na escuridão
Existem as insolentes,
que se levantarão
mas sem veneno
significante

Tem as que silenciosamente
Seduzem
Se sentem superiores
Aproximam serenas
e nas suas insignificâncias
surpreendem.

Há a sinuosa
que se insinua sincera
Abraça no enlaço
mas nada mais faz
do que prender
movimentos e pulsações
até o desfalecimento.

Claro... há a venenosa.
Ataca
Injeta toxina
quando se sente ameaçada
Mas o interessante
É que seu veneno
Também pode ser cura.

E independente...
Algo entre elas é singular…
trocam de pele
e nessa troca,
quem sabe possam sair
de sua pele
sorrateiramente cínica

A poesia não é fotografia

 


A poesia não é fotografia

Na foto está o instante

O agora

O momento

Retido pelo flash

Independente

Se o cenário foi montado

Ou imediatamente capturado


A poesia vive na gente 

Durante minutos a fio

Minutos que podem virar horas

Horas que podem virar meses

É cabelo despenteado

Esperando uma escovação

É casa desarrumada 

Aguardando faxina


E daí que quando ela brota

Acha-se que veio da chuva de agorinha

Mas, não….

Ela estava em fio d’água

Embaixo da terra

Ansiosa por aparecer

Ana Paula Ferreira

@ana.paula.educacao


Distanciamento da profissão e do saber


Começo com uma pergunta: será que nós professores, profissionais que dominam determinada área do conhecimento, estamos em alguma medida distantes de nossa própria profissão? Uso como referência de reflexão um trecho do livro “O capital para educadores” de Vitor Paro, que resumo aqui. Imaginemos um bolo e que hipoteticamente pode ser preparado tanto em casa, quanto numa fábrica, havendo os mesmos instrumentos de trabalho (batedeira, fogão, assadeira), mesma matéria-prima (ovo, farinha, leite). Porém, em casa, o bolo é uma realização, uma extensão do sujeito, e na fábrica, como a motivação não é o bolo e sim o salário, esse mesmo trabalhador está apartado de seu produto.

Caso nossa maior motivação seja a salarial, ou a segurança no serviço público ou qualquer outro motivo alheio ao ato de ensinar, não nos reconhecemos de fato na ação docente. Se não nos identificamos com nossa aula, se ela é um produto já elaborado por outras instâncias, a aula vira o bolo de fábrica e não nos reconhecemos nesse produto. Um dos problemas é que não somente nos apartarmos de nossa importância social como também não nos reconhecermos na profissão.

            Uma amostra sobre essa relação com a profissão eu tive recentemente. Eu fiquei mais de 4 anos sem redes sociais. Para minha surpresa, quando retomei, observei que os colegas muitas vezes não se colocavam como professores, mas como vendedores de Tupperware, massagistas, músicos em banda de rock, produtores de cerveja, etc. Cabe frisar que não tem problema nossa identificação com outras áreas ou com passatempo que marquem nossa subjetividade. Aliás, é até compreensível, diante de governos que não pagam o piso e que empurram os profissionais da educação a assumirem outros meios de vida.

            Mas o que mais me impressiona é o fato do não reconhecimento com a profissão. Se a rede social é como se pretende ser visto, por que esse apagamento da imagem de professor? Nesse apagamento, mostramos que nem nós mesmos estamos aptos a valorizar o que somos, o que fazemos e depois questionamos a reduzida valorização social. Nesse apagamento nos distanciamos da luta trabalhista, não nos identificamos com os nossos pares, menosprezamos a greve ou qualquer luta pelos nossos direitos, afinal, estamos afastados da ideia de quem somos e de um compromisso perante o mundo.

            Em cima dessa dificuldade em assumir a identificação de docente ou de paixão pela área lecionada, para apenas ser um cumpridor de aulas, reforça-se essa mesma proposta entre os estudantes. Isso porque quando se deixa de encantar com as palavras, quando se perde a capacidade de atrair olhares para o objeto de estudo, viramos meros burocratas da educação e negociamos com os estudantes que a principal tarefa não é aprender, mas sim adquirir nota.

A nota é o salário do estudante no final do bimestre e nem sempre é sua identificação com o conhecimento, pois nem sempre se percebe como produtor de saber, de arte, de linguagem, de raciocínio. Se nosso discurso enfatiza que o estudante precisa “passar de ano” e deixamos de valorar que o saber é um instrumento poderoso contra as injustiças; se justificamos que o estudante precisa de bom desempenho para que a família não seja chamada na escola, em vez de enfatizar que o saber é liberdade, é autonomia, estamos aos poucos plantando a semente de uma postura dependente, subalterna, acrítica.

Desobscurecer nossa visão é algo contínuo, na qual o saber deve ser usado para nossa própria libertação enquanto sujeitos. Até porque, se buscamos seduzir a atenção de que o conhecimento é bom, ele também precisa ser bom para nós e perpassa mostrar disposição em ensinar e também em aprender. Lembrando inclusive que, a ausência de felicidade no salário do final do mês, não deixa de ser uma bandeira de resistência, entretanto não é por isso que vamos permitir a tristeza e a desesperança invadirem nossa aula ou nossa profissão.

Nossa profissão é ponte entre o aluno e o conhecimento e não podemos abrir mão de valorizar esse processo de humanização do qual somos parte fundamental. Na alegria de nos renovar com o aprendizado e na esperança em perceber olhos mais curiosos para o novo, vamos construindo a plenitude da autoafirmação profissional em comunhão com aulas que potencializem a criação, o amor ao saber e a liberdade em ser mais do que uma nota.

 

Ana Paula Ferreira
Texto publicado no Jornal da Cidade 05/12/2023