Há uma boniteza nas coisas que são opostas: a característica é tão peculiar que preserva uma identidade mais genuína. Isso pode ser observado nas cataratas do Iguaçu e na usina de Itaipu, pois embora água em abundância em ambos espaços, ela se revela em dinâmicas diferentes.
As cataratas se impõem pela
natureza. Jorram milhões de água por segundo numa imagem belíssima de
intensidade. A água segue o fluxo, sem amarras, demarcando rochas, arrastando
tudo o que tiver pela frente, levando todas impurezas, seguindo o caminho até
encontrar o mar.
É como se a água se encontrasse em
situação de liberdade. Está solta e por mais que haja um relevo que condiciona
seu percurso, ela não se limita e prossegue aceitando sua própria força e sua
própria existência de ser “água” ... Água que possibilita a vida na Terra, que
escorre, que sacia a sede, que preserva o meio ambiente.
Já a usina Itaipu também impressiona
pela grandiosidade, a qual, desta vez, foi arte do ser humano, na sua
engenharia e na mão de obra de 40 mil trabalhadores que se entregaram na
construção da segunda maior usina hidrelétrica do mundo. A água, porém, está em
outra situação: represada, passando por enormes tubulações para gerar a energia
elétrica. Aliás, só abrem as comportas quando o limite é ultrapassado.
Embora à primeira vista a água
represada mostre calmaria, nada mais é do que turbulência evitada pelo seu
cercamento. É aquele choro entalado, intensidade contida, potência controlada
com vistas a gerar energia a incontáveis pessoas. Enquanto a catarata é grito,
a água que desce obedientemente as turbinas é soluço contido, que consegue ter
seus momentos de vazão apenas quando está no máximo permitido.
Ao pensar sobre essas analogias
entre água e liberdade, lembrei do livro de bell hooks, “Tudo sobre o amor”.
Isso porque em determinados momentos a autora pontua o quanto o sistema
capitalista aprisiona com amarras sutis as pessoas, tendo em vista que
incentiva sermos produtivistas e a nossa tristeza é capturada pela via do
consumo, exigindo que trabalhemos mais e consequentemente, passemos menos tempo
com a família ou em momento de puro ócio.
Assim,
se para uma grande parcela da população a liberdade é palavra de dicionário,
porque estão ainda buscando pela sobrevivência, em contrapartida há também a
situação de que para muitos a liberdade é evitada, pois ela significa assumir
quem somos e termos decisões mais autênticas. Na intenção de sermos úteis,
dizemos “não” a nós mesmos e acabamos por ser a água que desce pelas turbinas,
gerando energia para os outros e não para si. Essa energia pode ser o lucro, o
tempo, o cuidado e tantas outras coisas que fornecemos nas nossas relações
afetivas, de trabalho ou sociais.
O problema é que caso não seja um
movimento de mão dupla, horizontal, em que ambas partes estejam num processo de
mutualismo, provoca um cansaço mental e físico, desgaste e gera a dor de nunca
se conectar com a própria energia. Diante dessa falsa calmaria, há um
silenciamento que traz angustia, insônia, ansiedade, adoecimentos, pois ao
invés de liberar esse sentimento represado através da arte, escrita, terapia,
atividade física ou qualquer modo que ajude a reelaborar, buscamos o alento em
nos encher de coisas e nos esvaziamos do ser, do sentir, do viver intensamente.
Liberdade e amor estão juntos e não
separados. Porque ao fazer escolhas e se contentar com elas há um sentimento de
bem estar, de amor próprio, de se permitir sonhar e de se aceitar ao ponto de
se jogar por inteiro, no amor a si, ao outro e ao mundo. Quando há esse aceite,
há menos autocobrança e mais responsabilização, mais reflexão e menos
sentimento de culpa, mais relações saudáveis e menos toxidade.
Por
mais que a catarata traga mais insegurança e incerteza, ela nos move num
processo de autenticidade, de autoconfiança e percepção de nosso universo
interno, com nossas limitações e potencialidades. Já na represa, buscamos o
encaixe social, justamente pelo medo de ficarmos isolados e nesse processo,
represamos toda plenitude da qual poderíamos desfrutar.
Que
possamos enfim, ser mais catarata e menos represa.
Ana Paula Ferreira
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