Eu deveria ter tirado uma foto, mas não tirei.
Ficou
registrada em mim a lembrança e a forma de eu traduzir o que está na minha
mente é apenas se eu contar... então vamos lá.
Viagem
a São Paulo com a amiga e as crianças. A programação era visitar museus,
parques, só que tomou outro rumo. As crianças queriam além do combinado, andar
de metrô, afinal essa experiência ainda não fazia parte de suas vidas.
Recomendação
de mãe: Isabela, você vai ficar próxima a mim, pois geralmente é muito lotado.
Pois
bem. A Marci segurava a mão da Tatá, sua filha de 8 anos e a Bela estava
agarrada em mim, como um carrapato. Maria, a filha mais velha da Marci, ia na
frente, toda segura de si.
Enquanto
fazíamos o caminho até chegar no metrô, quantas coisas foram aprendendo... identificaram
no mapa, onde estávamos e onde iríamos e experimentaram a compra dos bilhetes
nas máquinas. Perceberam que escada rolante é para poupar tempo e esforço
humano, mas que para muitos paulistanos elas ainda são lentas demais, pois há
um local na lateral destinada para os que querem se apressar. Descobriram que
para entrar no metrô não pode ser depois do silvo e que é possível verificar o
trajeto de acordo com a luz que vai se acendendo no painel com o nome de cada
estação.
No
retorno, não havia a tensão inicial porque não tinha tantos passageiros. Qual a
foi a cena linda que merecia foto? De ver as duas crianças, que até então
estavam presas às suas mães, se sentirem desafiadas por si mesmas a voltar,
como se fossem João e Maria, seguindo as migalhas de pão.
E
era bem isso... precisaram observar e ler o cenário: letreiros, placas, pistas,
lembranças. As adultas iam atrás, com uma distância segura, acompanhando o
desenvolvimento, olhando se elas acertavam o caminho ou não. Em determinado
instante a Tatá ficou longe da Bela, e a Bela recuou, esperou a amiga e
seguiram. Seguiram.
Não
teve como eu não lembrar da origem da palavra pedagogo, que vem do grego,
juntando o pedacinho paidós (criança) e o pedaço agogé (condução). Era um
trabalho realizado pelos escravizados na Grécia Antiga, que consistia em
acompanhar a criança até a escola, ou seja, até o saber.
Adquirir
um saber é uma condição para libertação, de independência, de soltar a mão de
quem está te tutelando. Não ter a mão de alguém pode dar uma sensação de
insegurança, de se sentir sozinho, mas é um ato de coragem, de quem se entrega
na aprendizagem contínua e vai lendo pistas para trilhar com mais firmeza e
nisso saí criando novas estradas.
A
pergunta é: nós, adultos, estamos acompanhando com zelo para que nossas
crianças e jovens se sintam confiantes em apostar na liberdade?
E
isso não é fácil. Afinal, é preciso ir soltando a mão, mas sem desamparar. Por
isso, o trabalho do antigo pedagogo grego pode ser referência, para famílias e
educadores. Ele não levava a criança no colo, nem tampouco negava de guiar. Ele
acompanhava, estava presente para orientar, para aconselhar.
Não
são poucos os casos de adolescentes que vão à minha sala alegando ansiedade. O
curioso é que “na conversa vai e conversa vem”, descubro que não possuem
rotina, que vão deitar de madrugada, que ficam isolados nos seus quartos horas
a fio no celular, se comparando com todas as vidas, ao ponto de cogitarem que
que são insignificantes. Não há hábito de leitura de livro, nem prática de
atividade física, nem conversa em família. Entretanto, tomam remédio para
ansiedade.
Na
ausência de projetos e de pessoas que os acompanhem na jornada, estão
estagnados num repetitivo presente e enquanto isso, estendem a mão para a medicalização.
Não são livres, pelo contrário, estão presos a droga e à uma ausência de rumo.
Daí conversamos e eu como pedagoga, tento acompanha-los. Esboçamos as
possibilidades de mexer no cotidiano, oriento o quanto a atividade física traz
a sensação de prazer e bem-estar, de como é saudável diminuir a conexão com as
telas e aumentar o vínculo com amigos e família. Saem da minha sala levando um
rascunho da prosa e um livro de literatura debaixo do braço.
E
eu, fico a observar, na esperança de que entendam que o conhecimento é bússola
que serve à autonomia, para não depender, nem de ninguém, nem de nada. Só assim,
suas mãos estarão livres e trilharão com segurança os próprios caminhos, sem se
sentirem abandonados.
Ana Paula Ferreira
Pedagoga e
Supervisora da rede estadual
Texto publicado no Jornal da Cidade - 24/03/2023