Foto do site El Pais
Por
que na nossa sociedade o machismo é estrutural? Primeiro, vamos pensar na
palavra “estrutura” lembrando da imagem de um prédio. Um prédio é construído
sob colunas, bases, afundamentos. Pode-se pintar as paredes de outra cor, fazer
outro jardim, mudar janelas de posição, mas isso não altera a estrutura do
prédio. Ele somente teria outro arcabouço se rompesse com suas bases.
Ocorre que na sociedade capitalista,
a principal desigualdade é a de capital, onde uns poucos detêm os meios de
produção e compram a força de trabalho da maioria da população, por preço
mínimo. Contudo, para que o poder seja de fato consolidado, os donos do jogo
hierarquizaram a sociedade atribuindo privilégios a alguns em detrimento a outros,
na perspectiva de “dividir para conquistar”. Assim sendo, ao que seria apenas
uma desigualdade entre classes sociais, se somam desigualdades definidas pela
cor, raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade, e tantas outras questões
que diminuem o outro para que sua exploração no mercado seja ainda maior.
Pois bem, voltemos à ideia do prédio
e a questão do machismo estrutural. É fato que a mulher conquistou o direito de
votar, estudar, exercer diversos cargos, escolher ou não a vida matrimonial. Entretanto,
não alteramos a estrutura, uma vez que a distribuição da riqueza e do poder
ainda é concentrada nas mãos masculinas, ao ponto de haver a “feminização da
pobreza”, seja porque há uma discriminação salarial entre homens e mulheres,
seja porque a mulher exerce diversos trabalhos não remunerados, seja por suas
ocupações com pouca rentabilidade.
De modo a garantir que essa
desigualdade permaneça, a cultura, tão entranhada nas relações humanas, nas
instituições e nos meios de comunicação, cumpre papel fundamental. É a cultura
que validará o machismo cotidiano manifesto em gestos sutis, mesmo entre os que
se dizem progressistas ou defensores da igualdade de gênero. Na vida familiar
estará por exemplo, na sobrecarga de tarefas domésticas ou relacionadas ao
cuidado, estritamente despendidas por mulheres. No ambiente de trabalho se
apresenta com homens que alteram o tom de voz, batem em mesas ou apontam os
dedos quando o outro funcionário é uma mulher; na vida pública o machismo
cotidiano está em tentar silenciar a mulher, depreciando seus discursos ou
colocando em xeque seu equilíbrio mental ou sua moral.
Daí que enquanto não mudamos a
estrutura do capitalismo, que se ergue sobre os pilares das desigualdades,
nunca eliminaremos o machismo, e sempre haverá o risco de direitos que até
então que estavam consolidados, serem questionados. É o caso atual, brutal e
extremamente misógino, apresentado com o PL 478/07, chamado de “Estatuto do
nascituro”, que prevê a anulação de direito ao aborto em casos de violência
sexual, algo até então garantido desde o Código Penal de 1940.
A aprovação desse Projeto de Lei
seria a força do estuprador se estendendo para além do ato violento, corroendo
não somente a estrutura psíquica da vítima, como também sua estrutura biológica,
fazendo-lhe crescer uma barriga que ela não desejava, uma criança que ela não
queria.
Se é de estruturas que somos feitos,
se é de estrutura que a sociedade é elaborada, quais pilares precisaremos
desmontar para reerguer outra perspectiva de mundo? Aliás, é interessante
perceber que o símbolo arquitetônico do poder, o obelisco, tem formato fálico,
vertical, imponente, simbolizando superioridade.
Creio ser necessário uma engenharia
social plantada na horizontalidade, tanto da distribuição do capital econômico,
quanto cultural, social, simbólico. É um projeto possível e por isso precisamos
ficar atentos e participar na medida do possível da construção das políticas
públicas que tanto balizam sobre essa distribuição do que é produzido pela
humanidade. Junto a isso que possamos olhar para os machismos do dia a dia, nos
repensarmos enquanto seres humanos, para não endossarmos uma violência contra a
mulher que já é por si só, tão gritante.
Ana
Paula Ferreira
Membro
do Coletivo Mulheres Pela Democracia
Texto também publicado no Jornal da Mantiqueira e no Jornal da Cidade do dia 20/12/2022