Uma das informações para reconhecer uma
pessoa é por sua profissão e outra marca é a própria impressão digital.
Profissões existem várias e, aliás, se tem a opção de mudar de profissão,
aposentar ou até mesmo parar de trabalhar. Já a digital é única e é tão
preciosa que é um dos mecanismos usados hoje para o controle do voto no Brasil.
Contudo, é interessante perceber que determinadas profissões subtraem o sujeito
de si mesmo, que há alguns trabalhos que apagam a digital, a torna tão discreta
que não é reconhecida. Isso acontece com o professor, quando o giz lhe apaga
suas digitais reais e existenciais.
Esse apagamento ocorre quando o
professor é tragado pelo sistema. Quando digo “tragado” quero dizer que já se
consumiu a tal ponto que já não existe enquanto matéria inicial. Persiste onde
está, mas já não há energia a ser gasta. Faz estritamente o necessário, dando
conteúdos, preenchendo formulários, fazendo avaliações. Porém, ele não tem
perspectivas para com o ensino, com a educação, com os alunos. Alunos são
muitas vezes números, folhas são burocracias, conteúdos são obrigações de uma
função. O professor não preenche sua vida profissional de sentidos mais amplos
e transfere isso para sala de aula.
Quando o professor ao assumir uma sala
de aula deixa de ser pessoa, de ser um sujeito de emoções e assume o papel de
um burocrata do ensino, não compartilha a vida, não relaciona o estudo com a
concretude, conta os minutos para o horário da saída. Quer passar a ideia de
pessoa disciplinadora e se esvazia de si mesmo, busca o controle da sala, mas
esquece de sua necessidade de conexão, de interagir, de diálogo.
Para um resgaste dessa identidade docente
é imprescindível lembrar que a razão de ser professor é o aprendizado. Aprendizado não é via de mão única: ensina-se
e aprende-se, aprende-se para ensinar. Essa correspondência alivia a sobrecarga
dos ombros do educador, pois nem sempre saberá de tudo, ainda mais numa
sociedade onde é comum famílias terem TV por assinatura, crianças terem acesso
à internet e inúmeras outras fontes de informação.
O papel do professor será diferente,
porém não menor. A justificativa de muitos não abrirem mão desse saber
escolástico é que precisam cumprir a grade curricular. Grade! Até o nome é
opressor! Na verdade precisamos é refletir para que serve a escola e juntamente
a isso repensar para que serve o conteúdo.
Escola não necessariamente mudará o
mundo. Na verdade, pode mudar ou ser conivente e para isso serve o conteúdo,
pois como qualquer outra ferramenta, depende do uso. Posso usar o conteúdo
apenas com fins imediatistas tal como ir bem numa prova ou pra fins mais
existenciais de compreender cada ação e seus infinitos desdobramentos no mundo.
A segunda opção é mais complexa, porém, envolve uma consciência muito mais
responsável sobre ser e estar. E é essa uma das funções de ser professor na
atualidade: ajudar o aluno a fazer a ponte entre o saber e o fazer, entre o
pensar e o construir, entre o estar no mundo e se perceber pertencente à
natureza.
Essa transformação parece pequena, mas é
algo essencial para quem deseja democracia de relações horizontalizadas, de
quem prima pelo conhecimento significativo, de quem trabalha pelo protagonismo
a começar pelo próprio professor que não será mero cumpridor de tarefas, mas
aquele que faz o diálogo entre o senso comum e o saber científico, entre o que
está no livro e o que vibra na vida, de modo a não se esquecer que ele,
professor, também é vida.
Ana Paula Ferreira
Jan/2017