Fascismo é um pensamento, uma ideologia política
da extrema direita, que se opõe ao socialismo, e no qual o Estado exerce uma
presença forte e de controle sobre a vida pública e privada da população,
justamente porque angaria esse apoio do povo. De acordo com o romancista e
linguista Umberto Eco, o fascismo enquanto ideia se eterniza, justamente porque
se apresenta inclusive com trajes civis, e compete a cada um de nós jamais
esquecer o que significou sua presença na II Guerra Mundial e no Holocausto
para que evitemos a reprodução dessa barbárie histórica.
Alguns pontos importantes do
fascismo que Umberto Eco elenca e que se destaca para esse texto são: 1) Culto à
tradição; 2) Medo das diferenças; 3) Desprezo pelos oprimidos; 4) Culto
à figura de mitos; 5) Machismo; 6) A Novilíngua de Orwell. Ora, numa perspectiva de feminismo socialista, o qual vai
além de uma perspectiva liberal, se nota que é possível se valer de suas
ferramentas para contrapor a ideologia fascista, e vejamos o porquê, também em seis
razões.
Primeiro porque assumir o feminismo
é algo que de acordo com bell hooks é para todos, lembrando que se trata de uma
defesa de uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres. A partir desse
ponto, já é uma forma de se remar contra a tradição patriarcal milenar, mas,
que como qualquer outra cultura, é possível de mudança caso os sujeitos sociais
se envolvam nesse processo.
Segundo porque o feminismo e os
estudos dentro da questão de gênero trabalham com uma coleção de conceitos que
permite compreender melhor a questão de gênero: sexo, gênero, cis, trans,
heterossexual, homossexual, orientação sexual, identidade de gênero, etc. Assim,
à luz de definições, de entendimento e sensibilização sobre os grupos
marginalizados numa sociedade homofóbica e machista, abre-se a possibilidade
desse medo das diferenças diminuir. Isso porque o outro deixa de ser colocado
como objeto descartável, para adquirir uma outra perspectiva, na qual é
humanizado, visto não apenas em suas diferenças, mas também no que nos aproxima
enquanto humanidade.
Se por um lado o fascismo investe no
desprezo aos grupos sociais mais vulnerabilizados, por outro, o feminismo
socialista, vai intensificar reforços numa dupla batalha: contra a desigualdade
econômica e contra a desigualdade de gênero. Assim, embora o fascismo venha com
seus tratores ideológicos com frases do tipo “Ela não merece ser estuprada” ou
“O erro da ditadura foi torturar e não matar” ou “As minorias precisam se
curvar a maioria”, o feminismo socialista trabalha numa perspectiva de que
levar em consideração que enquanto houver capitalismo, ocorrerá a desigualdade
econômica e, portanto, haverá necessidade dos grupos que estão no poder em dividir
a população, desarticular os movimentos sociais, sindicatos, associações que
promovam a solidariedade e o bem comum, porque no abandono do indivíduo a
própria sorte ele é mais manipulável e possuí menos condições de resistência.
Culto a figura de mitos é outra
característica fascista, nesse apelo à personalismos, a pessoas que se colocam
além do ser humano convencional e anseiam pela fama, numa notoriedade mesmo que
sejam medíocres e não haja fundamentação racional para sua importância. Com o
feminismo socialista ele nos proporciona a possibilidade de questionar esses
lugares de empoderamento individual, afinal, para cada Paola Oliveira ou
Djamila Ribeiro ficar em destaque nas propagandas
da Avon, milhares de mulheres invisíveis precisam bater de porta em porta e
oferecer o produto, num trabalho desenvolvido a anos de maneira precarizada, e
sem a reflexão sobre esses lugares de subemprego.
Em quinto lugar, machismo é um dos
pilares no qual o fascismo se assenta, lembrando que o fascismo é um movimento
de defesa do capitalismo com a presença forte do Estado, na ideia de assegurar
privilégios e não direitos sociais. Silvia Federici na obra “Calibã
e a Bruxa” evidenciou que o processo de acumulação capitalista cerceou todos
elementos que poderiam ser produtivos: terra, meios de produção e a mulher.
Assim, o homem foi tratado como pequeno rei em seu lar e a mulher cabia ter
cada vez mais filhos e operar dentro do ambiente doméstico. Aumentar a
população era uma das tarefas para se garantir salários baixos na negociação
com um grande exército de reserva e quem produzia esse contingente humano
seriam as mulheres. Aliás, é curioso
perceber que sempre em
momentos de crise do capital, voltam os discursos que a mulher deveria ficar em
casa, bela, recada e do lar, sob sustento do marido, pois, ao ir para o mercado
estaria competindo com quem socialmente é aceito para estar ali.
Por fim, no sexto ponto trazido, a Novilíngua de Orwell é
uma ilustração excelente sobre o fascismo. Orwell no livro 1984 satiriza os
grupos totalitários que faziam novas gramáticas reduzindo o vocabulário da
população para deixa-lo mais pobre e consequentemente limitar o pensamento
crítico. Sinônimo disso é quando grupos fascistas não querem explorar conceitos
tão diferentes em si e pelo contrário, usam de palavras de baixo calão, jargões
preconceituosos. Por isso, quando o feminismo ajuda a
compreender o que é cis e o que é trans, o que é hetero e o que é homo, e não
apenas o conceito em si, mas a contextualizar as marginalizações e a utopia de que
outra sociedade é possível. Nesse sentido, o feminismo socialista ajuda a
enfrentar o pensamento raso, as microviolências e a construir uma sociedade
mais justa, numa perspectiva de consciência de classe social atrelada a
consciência racial e de gênero.
Feminismo não é coisa de mulher mal
amada ou que ficou para tia. Novamente essas depreciações são parte de um
raciocínio estreito de quem não se aventurou nas leituras sobre o tema. E para
enfrentar o fascismo, o feminismo está também na trincheira das narrativas mais
revolucionárias, visando a construção coletiva com vistas a uma sociedade com economia mais igualitária e relações mais
livres.
Ana Paula Ferreira
Educadora e militante do Coletivo Mulheres Pela Democracia
Texto também publicado no Jornal da Cidade do dia 02 e 03 de setembro de 2023