Páginas

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Contra uma educação excludente

         


          Esse texto foi elaborado para a live “Desafio do Novo Ensino Médio e da EJA: contra uma educação excludente”, do Coletivo Educação, realizada em 2 de dezembro de 2021 e pretendo deixar aqui também registrado, ainda mais pelo fato do apelo à revogação da Reforma do Ensino Médio ser pauta atual.

Inicialmente é importante explicar o que é se manifestar “contra uma educação excludente”. Isso porque, de acordo com as bagagens de cada um, podemos ter incontáveis respostas. Alguns, por exemplo, acreditam que se a educação focasse no ensino de língua inglesa, no empreendedorismo, no uso de tecnologias, isso por si só já traria uma inclusão dentro de um mundo capitalista, pois aumentaria as chances de oportunidade de emprego ou da pessoa ter seu próprio negócio e assim ter uma vida mais confortável.

Mas, daí é fundamental pensarmos no território que estamos pisando, situar o Brasil e suas relações internacionais. Nos números da balança comercial, é notório que exportamos alimentos e minérios e compramos medicamentos, inseticidas, automóveis, produtos manufaturados. O que isso significa? Que a empregabilidade seria maior nas mineradoras, no campo ou em indústrias que processam os alimentos. Porém, a divisão territorial de nosso país é extremamente injusta e 73% da área agrícola está concentrada nas mãos dos 10% de grandes imóveis rurais. O que esses grandes latifundiários fazem? Em linhas gerais, transformam a terra em grande celeiro para o mundo e para produzirem em grande escala, se utilizam de maquinários que dispensam a maior parte da mão-de-obra que vão somar com tantos outros milhares nos centros urbanos, nas casas improvisadas, nos subempregos, na violência urbana, no número de pessoas desempregadas.

            Ah! Mas, se as pessoas tivessem aula de empreendedorismo elas podem ter seu próprio negócio e ir além. Nós tivemos na escola em que trabalho três alunas que eram irmãs. Extremante competentes, comunicativas, perspicazes. Elas trabalhavam com doce e resolveram abrir uma lanchonete onde vendiam seus brigadeiros, beijinhos e também vários salgados. O que aconteceu? Com a alta do preço dos alimentos, se elas passassem esse valor para os clientes, perdiam a venda; e se não passassem, não conseguiam pagar o aluguel. Consequência: fecharam o estabelecimento. Não foi falta de vontade, não foi falta de trabalho, não foi ausência de entendimento de mercado, mas sim, porque esse formato de mercado não favorece o crescimento de todos. E isso na verdade é uma realidade cruel no mundo todo. A Walmart, por exemplo, em 2018 tinha um milhão a mais de empregados do que a Amazon. Contudo, a Amazon teve lucros no varejo que superaram a Walmart e junto a outras empresas da era digital são as que pagam menos impostos.

Daí temos o triste cenário: não há emprego no campo, tampouco há emprego na cidade e junto a isso, o Estado brasileiro, numa aliança política com o grande capital, arrecada menos impostos e, portanto, não consegue injetar dinheiro em políticas públicas para geração de empregos ou de renda. E qual o discurso é divulgado para o senso comum? Que é importante fazer “mais com menos”, conter os gastos do Estado e melhorar o ensino, diante da educação financeira, preparação dos professores para lidar com o novo currículo ou com as inovações tecnológicas.

            Agora, voltemos no título: “contra uma educação excludente”. Primeiro ponto: ser contra uma educação excludente é valorizar o ensino público. É valorizar centros de Educação Infantil públicos, escolas da rede municipal e estadual, Institutos Federais, universidades públicas, de Poços de Caldas, de Minas, do Brasil. São essas escolas que recebem todas as pessoas independente de terem ou não dinheiro.

Segundo ponto: Para haver mudanças de qualidade para educação pública é necessário mais recurso.  Hoje os alunos de Ensino Médio com notas de maior desempenho são alunos dos Institutos Federais. E isso é uma ilustração da necessidade de mais investimentos no setor público. Aliás, é lastimável o dado trazido pelo pesquisador Daniel Cara, quando sinaliza que menos de 1% das escolas atendem o nível de qualidade colocado pelo Plano Nacional da Educação, o qual prescreve que as escolas devam ter água potável, salas não numerosas, biblioteca, laboratório de informática, quadras cobertas, internet rápida.

Terceiro ponto: uma educação que se faça contra a exclusão, deve se posicionar frente aos problemas sociais, políticos e econômicos, na busca por um Estado que respeite as individualidades, mas que ao mesmo tempo não cruze os braços perante suas responsabilidades sociais. Uma educação se pretenda contra a exclusão, deve questionar esse sistema que não gera empregos e culpabiliza os sujeitos pela situação de fome ou de pobreza.

Se queremos uma educação que vá além do capital, que consigamos subverter essa ordem. Nos documentos oficiais há o registro da construção de “sujeitos resilientes”, ou seja, suportar as adversidades, ser flexível para mudar. Mudar como? Aceitar que na falta de dinheiro para comprar carne, podem comprar o osso? Isso não é resiliência. Isso é sub-humano. Daí a necessidade de cultivarmos nas escolas o sentimento também de resistência, de se indignar perante os lucros desmedidos das grandes corporações e latifúndios, a perda da soberania nacional perante o entreguismo de nossas riquezas para o capital internacional.

Se queremos subverter a lógica, que o trabalho coletivo ensinado nas escolas não seja para mero cumprimento das leis sociais. Que na formação do quesito cidadania, possamos contribuir para que os estudantes acompanhem os projetos de lei da cidade, as políticas públicas que impactarão diretamente a juventude, a educação, o trabalho; que saibam utilizar da lei para defender os interesses de sua comunidade, que percebam locais onde podem vivenciar uma cidadania ativa (sindicatos, partidos, movimentos sociais), que compreendam o que é esquerda, direita e não caiam nos perigos das fake news.

            E por fim, subverter a ordem dentro do campo trabalho não é ensinar o aluno se virar sozinho na sua economia. Quem é de classe popular sabe já fazer isso. É a jovem que é babá, manicure, faz doces pra vender; ou no caso do jovem é o servente de obras, é o ajudante em oficina, é o entregador por aplicativo. Eles já sabem viver no “se vira”.

A escola precisa criar condições para romper com o discurso do opressor. Nesse sentido, é fundamental o aluno entender o que é o sistema capitalista, como ele opera e como gera riquezas sobre corpos de trabalhadores, de jovens, de mulheres, de negros.

Eu gosto muito da ideia que Paulo Freire traz de denúncia e anúncio. A denúncia está posta: é um currículo do Estado de Minas no qual a expressão “direitos trabalhistas” aparece 2 vezes nas 497 páginas e a palavra “empreendedorismo” aparece 25 vezes. Não é sem razão. Não é sem uma finalidade. Por outro lado, qual nosso anúncio? O anúncio é de que outra sociedade mais igualitária é possível e, portanto, defendê-la é acreditar nos versos de Mercedes Sosa de que “cambia, todo cambia” e colocar nossa energia e compromisso nesse movimento de mudança.

 Ana Paula Ferreira

Supervisora da rede estadual e Mestre em Educação

Texto publicado no Jornal da Cidade de 24/02/2023