É usual para defender uma
educação inclusiva, a figura da macieira e três crianças de tamanhos diferentes
tentando alcançar seus frutos. Uma delas a estatura já lhe é favorável; a
outra, de tamanho mediano, precisa de um caixote para subir e a mais baixinha,
só consegue pegar se tiver duas caixas embaixo dos pés. Cabe aqui a analogia
com o espaço escolar, no qual o conhecimento seja de fato um direito
democratizado e, para tanto, é basilar romper as cascas duras da naturalização
da desigualdade e apostar nos nossos estudantes, em suas potencialidades e
diversidades.
Primeiro ponto é deixar claro que
igualdade não é oposto de equidade e, em se tratando de tornar o fruto do saber
acessível a todos e todas, tanto uma quanto a outra são importantes. Igualdade no
direito de uma estrutura escolar com critérios básicos resguardados: merenda,
biblioteca, limpeza, profissionais qualificados, materiais didáticos, internet
rápida, quantidade reduzida de aluno por sala etc. Equidade no direito de
possibilitar que pessoas que estão em alguma situação de desfavorecimento sejam
percebidas em suas peculiaridades, como também sejam atendidas por políticas
públicas ofertadas pela Rede de Apoio do município, do estado e do país. Assim
sendo, por exemplo, a escola não acionará o Conselho Tutelar ou o CRAS para
todos os estudantes, mas apenas para os casos específicos, visando que esse
grupo vulnerável tenha protegido o direito à educação, a saúde, a moradia
dentre outros direitos sociais previstos na Carta Magna brasileira.
Segundo ponto a ser destacado é
que existem agentes públicos, os quais são remunerados com dinheiro público, ou
seja, aquele pago por toda a população em impostos, taxas e tributos, que são
responsáveis por identificar os grupos vulnerabilizados e invisibilizados, por
medir o “tamanho das caixas” e por colocar sob os pés destes a fim de que todos
e todas consigam alcançar os frutos, inclusive os mais altos e melhores. Caso
haja ausência de “caixas”, que isso seja pleiteado, para as chefias imediatas,
conselhos municipais, canais de denúncia e/ou ouvidoria.
Sendo assim, a equidade é um
instrumento para uma sociedade com justiça social, na qual o Estado tem sua
responsabilidade e o faz principalmente mediante o trabalho de agentes públicos
visando proporcionar oportunidades para quem não teve inicialmente as mesmas
condições. Isso dialoga com a frase de Marx quando diz “De cada um, de acordo
com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas necessidades”. Atualmente,
existem inúmeras pessoas cujos direitos previstos na Constituição Federal de
1988 não estão sendo garantidos. Diversos são esses grupos: crianças e
adolescentes, população negra, mulheres, população LGBTQIA+, moradores de rua,
dentre tantos outros. Por isso, é justo que haja caixotes diferentes para que
todos peguem a maçã, afinal, todos contribuem para a manutenção do Estado, como
também, destes agentes públicos.
Por outro lado, a igualdade não
deve ser desconsiderada, pois como aceitar que algumas escolas tenham tantos
recursos e outras tão poucos? Como achar que é justo que escolas privadas devam
ensinar conhecimentos científicos e escolas públicas trabalhar apenas com conteúdo
elementares?
Continuando a metáfora entre
árvore e conhecimento, por que junto ao tronco da macieira não se acrescentou
uma escada? Afinal, muitas vezes, os melhores frutos estarão longe o bastante
da mão humana. E daí vem a provocação: precisa-se de uma educação que não
apenas promova equidade, como também igualdade, na distribuição de todos os frutos, em que tanto os de
fácil acesso, quanto os mais distantes (abstratos na linguagem pedagógica)
sejam compartilhados.
Portanto, para haver essa
condição da igualdade, o investimento na educação pública deve ser tomado como
prioridade e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) que é um valor que deve ser ampliado
para o desenvolvimento da educação. Prova de que os resultados educacionais do
setor público melhoram quando há investimento são os Institutos Federais que
atendem alunos de Ensino Médio e contam com uma estrutura de laboratórios e de
profissionais que possibilitam que as maçãs que estão nos galhos mais distantes
sejam acessadas.
Embora se saiba que o espaço
escolar também reproduz as exclusões da sociedade neoliberal sempre há uma
utopia para fugirmos de um presente que parece perpétuo. Numa sociedade em que
alguns plantam, mas outros comem; em que há toneladas de produção de alimento e
em contrapartida, milhares de pessoas que passam fome; em que a grande maioria
trabalha, enquanto uns poucos que lucram com as produções e riquezas; talvez
seja difícil imaginar que igualdade e equidade possam existir. Mas, nós
educadores, cidadãos ou agentes públicos, precisamos ao menos acreditar no
nosso potencial de pequenos agricultores que usam caixotes da equidade e não
abrem mão de sementes da árvore da igualdade, pois sabemos que muitas vingarão.
Ana Paula Ferreira,
mestre em Educação e
Rebeca Frederico
Fonseca, bacharel em Direito.
Texto publicado no Jornal da Cidade do dia 22 de setembro de 2022.