Hoje, dia 7 de setembro
de 2019, houve Grito dos Excluídos na cidade de Poços de Caldas no desfile que
homenageia a independência do Brasil. Independência que adveio de 1822, sem
participação popular, no qual uma elite tupiniquim orquestrou para que o Brasil
deixasse de ser colônia de Portugal. Ironicamente, quem assumiu o trono da
monarquia brasileira é justamente o filho do rei português que saqueou nossas
reservas minerais, vegetais e nossa força de trabalho.
Comemora-se uma frágil independência
política seguida por uma dependência financeira astronômica. Isso porque, para
que a emancipação do Brasil enquanto nação fosse aceita negociou-se o pagamento
de uma indenização a Portugal. Sem recursos financeiros para tamanho
empreendimento, a Inglaterra paga a dívida e durante anos o Brasil se rende ao
poderio britânico num endividamento brutal.
Quando D. Pedro
assumiu, mantivemos nossa subordinação aos mandos de uma economia exterior e
dentro do território nacional a falta de liberdade do povo era estampada com a
existência da escravidão, com a ausência da liberdade de imprensa e numa
política que apenas homens ricos poderiam votar.
É nesse contexto que
nos inserimos há 197 anos após o Grito do Ipiranga. Ocupamos o lugar de segundo
país subdesenvolvido com maior dívida externa; a mulher, embora possa votar, ainda
tem baixíssima representação no Congresso comparada a outros; os negros, não
são mais escravizados, mas exercem trabalhos mais desqualificados, sendo que um
a cada dois negros está no mercado informal; a mídia no seu discurso oficial
diz-se “livre e sem censura”, mas obedece aos mandos dos donos do capital.
Portanto, se não há
razão para comemorar uma independência que não se traduziu em soberania
nacional nem em justiça social para o povo, há razões de sobra para um Grito
dos Excluídos. Se há no dia 7 de setembro um discurso normativo dos que ocupam
o poder, que usam de protocolos, policiamento e de regras para sua manutenção, há
também o discurso marginal, dos oprimidos sociais e políticos, que se fazem
ouvir pelo som ensurdecedor de suas latas e seus gritos de não satisfação.
Em Poços de Caldas, os
excluídos conseguiram soltar sua voz sob a organização do grupo “Mulheres pela
Democracia” com a participação de homens, mulheres, crianças e adultos, de
todas as cores e bandeiras na defesa de um país que respeite o trabalhador, o
estudante e o meio ambiente; um país que a cor da pele não seja motivo para
genocídio, nem o gênero seja razão para violência; em defesa de um país que não
seja refém das normativas do Tio Sam, nem que tenha como projeto de governo o
desmonte de estatais que são tão caras para a soberania de um país. Gritamos
contra os cortes na pasta da Educação; contra a destruição do programa Mais Médico,
contra os incêndios na Amazônia, gritamos contra a justiça parcial que não
prende nem Queiroz, nem Aécio, nem milicianos que mataram Marielle...
Mas o movimento social
não foi respeitado em suas vozes. Houve tentativa de ser calado pelos capatazes
do sistema capitalista, que sempre alegam “estar exercendo suas funções”. A
manifestação foi barrada várias vezes e só foi autorizada a sair atrás dos
cavalos.
O cavalo que fechava
esse último bloco se apresentou com a bandeira do Brasil, disciplinado,
seguindo os comandos de uma pátria que tem lema “ordem e progresso”. Ordem de
seguir marchando sem pensar, sem ter a condição humana do discernimento, apenas
cumprindo ordens de superiores, não se preocupando com a segurança de pessoas
que estão atrás de si, não se preocupando com as demandas levantadas por elas e
nem imaginando que as pautas envolvem também sua existência. Segue apenas o
instinto próprio de animal: se houver barulho, vai dar coice, se alguém passar
na frente, pode avançar para cima das pessoas com seu irracionalismo de seguir
o que está no roteiro. Esse cavalo, sem condição de reflexão sobre sua condição
de explorado, manterá a ordem e o progresso, na visão de apenas seguir adiante
aquilo que foi traçado por outros, seguindo um script de enaltecimento de um
país no qual quem tem vez são os bancários que enriquecerão mais ainda com o
crescimento da previdência privada; os empresários, com a aprovação de leis que
flexibilizaram a segurança no trabalho e os latifundiários que destroem a
floresta amazônica com vistas a pastos e lucros a curto espaço de tempo.
Mas o cavalo sente-se
bem em servir a pátria branca, masculina e rica. Mostra-se dócil e cativo para
com seus senhores que lhe exploram e age truculento para com aqueles que lhe fazem
lembrar da sua condição social. Ao cavalo cabe seguir o Grito do Ipiranga. Enquanto
isso acontece, o Grito dos Excluídos é cantado mais alto “somos mulheres, a
resistência, de um Brasil sem fascismo e sem horror, vamos à luta, pra derrotar
o ódio e pregar o amor”.
Ana Paula Ferreira
Supervisora escolar e militante do
grupo “Mulheres pela Democracia”